(Todos nos recordamos de como uma maioria absoluta, a braços é certo com alguns tiros no pé por desacerto de governação, foi interrompida graças a um parágrafo assassino de um comunicado da Procuradoria-Geral da República, que nos comunicava esperando pelas trombetas da comunicação social que o primeiro-Ministro António Costa estava a ser investigado. Concretizado esse passo e exaurido o tesão comunicacional gerado por esse comunicado, percebemos uns tempos depois que a consistência da matéria de facto da investigação era apenas um conjunto de suposições, ingénua ou maleficamente elaborados pelos investigadores do MP. Uns dias depois, essa evidência de inconsistência foi confirmada por uma decisão judicial que contrariou todas as medidas propostas pelo MP e que arrasou positivamente a argumentação subjacente à declaração do MP. Mas a diatribe de uma investigação guiada por outros critérios que não apenas o da procura de prova para incriminar arguidos estava consumada, o primeiro-Ministro demitiu-se e eleições antecipadas foram convocadas pelo Presidente da República. Na altura, a grande maioria dos analistas políticos, embora compreendendo a posição de António Costa, alertou a Presidência para os riscos de ingovernabilidade que a antecipação do ato eleitoral iria determinar. Os resultados da ida às urnas confirmaram a pior das suposições e o parágrafo assassino teve por principal consequência a chegada de 50 deputados do Chega ao Parlamento, interessados em tudo menos na construção de uma sã governabilidade. O país ficou suspenso com o novo contexto e assistiu algum tempo depois à evidência da ingovernabilidade. Mas ninguém pareceu ficar preocupado e as eleições europeias pareceram mostrar que o crescimento do Chega teria sido provavelmente uma reação largamente determinada pelo alarido inconsistente em torno da Operação Influencer, oferecendo um tapete vermelho à estratégia eleitoral de Ventura. Ninguém mais se preocupou com as consequências da ingovernabilidade para o contexto de desafios que esperam a economia portuguesa.)
Eis que senão quando, apesar de mais um coelho na cartola sabiamente tirado pelos agentes do MP, divulgando escutas com peso e contexto totalmente laterais à Operação Influencer num atentado perigoso às liberdades individuais, o predestinado António Costa aparecia como o candidato quase de consenso (só Meloni votou contra no Conselho) a ocupar por dois anos e meio a Presidência do Conselho Europeu. E, de repente, o país que encolheu os ombros com o parágrafo assassino e até foi capaz de argumentar que o primeiro-Ministro se pôs a jeito, marimbando-se para os custos óbvios e antecipáveis da antecipação de eleições, ergueu-se como uma mola a louvar o interesse para o país de termos mais um expatriado a dirigir altas instituições internacionais, como se tivéssemos ganho o Euro 2024 e transportássemos jogadores e treinador aos ombros. Na prática, a hipocrisia nacional instalada o que nos transmitiu é que está disposta a vender barato a governabilidade e as condições pertinentes para enfrentar os desafios estruturais do país em troca das honras de ter um português afastado politicamente por um parágrafo assassino, encoberto por uma investigação inconsistente, à frente de uma instituição internacional.
A falta de decoro da hipocrisia nacional é de bradar aos céus e atinge um nível que apetece perguntar se poderá ser batida por outra qualquer manifestação.
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