(Acidentalmente através de um tweet do Presidente Lula da Silva, tive conhecimento da morte da economista Maria da Conceição Tavares, 94 anos de energia crítica e de pensamento de raiz estruturalista sobre a América Latina e, muito particularmente sobre o seu Brasil. Se o Professor Celso Furtado representou o marco dos fundamentos históricos do subdesenvolvimento brasileiro, estudando profundamente a influência colonial na formação do modelo agrário-exportador brasileiro, é a Maria da Conceição Tavares que devemos a explicação seminal das raízes da industrialização brasileira, fundamentalmente do modelo de industrialização por substituição de importantes nos tempos de Getúlio Vargas e da sua posterior exaustão na sequência da internacionalização do mercado interno brasileiro. O talento pedagógico e de geração de pensamento crítico da economista brasileira representa uma das minhas mais estimulantes experiências de estudo do desenvolvimento brasileiro, como estudo de caso da transformação estrutural que o subdesenvolvimento e depois o desenvolvimento distorcido ou truncado como alguns economistas brasileiros o designavam assumiu naquele país, como caso participar do modelo latino-americano. Infelizmente, a vida nunca me proporcionou uma visita de estudo ao Brasil e por isso foi a diversificada obra de Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares que me fez companhia em todos aqueles anos em que o Brasil era um caso de estudo nas minhas aulas. Com a morte de Maria da Conceição Tavares fecha-se um ciclo da economia política no Brasil, já que será extremamente difícil assistirmos ao nascimento de economistas com legado tão profundo na economia estrutural como o que aqueles dois Mestres nos deixaram.)
A editora brasileira Contraponto, com financiamento e apoio do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento publicou uma série de ensaios para comemorar os então 80 anos da economia brasileira, designada de Desenvolvimento econômico e crise, com organização de Luiz Carmo Delorme, que amavelmente a viúva de Celso Furtado Rosa Freire d’Aguiar teve a amabilidade de me enviar. Esse livro de 2012 foi o meu último contacto com a obra de Maria da Conceição Tavares, mas a fonte da minha inspiração docente sempre foi o “Da substituição de importações ao capitalismo financeiro” publicado pela Zahar em 1972, que li vezes sem conta, página a página, dada a sua relevância e densidade e algo mais tarde o “Acumulação de Capital e industrialização no Brasil de 1998. Maria da Conceição Tavares foi inspiração para a nova geração de economistas brasileiros interessados em manter e desenvolver a abordagem estrutural, ou seja, para toda aquela corrente que não se iludia com o mainstream da economia, de origem americana, e que através da internacionalização da Universidade de S. Paulo começou a dominar o pensamento universitário brasileiro.
A figura da economista brasileira com o fumo do seu cigarro a rodear-lhe o rosto, seja nas aulas ou nos seminários e conferências em que desenvolvia o seu pensamento crítico, permanecerá para sempre nas recordações daqueles que como eu mergulharam no seu pensamento crítico e que através dele, à distância, aprenderam por essa via a compreender os meandros da economia brasileira. Foi também por aí que compreendi o surgimento, ocaso e ressurgimento de Lula da Silva, cuja figura é indissociável do modelo de industrialização e capitalismo que Maria da Conceição Tavares nos ensinou a compreender. Daí a veneração que o próprio Lula lhe dedicava.
Talvez pouca gente saiba que Maria da Conceição Tavares nasceu em Portugal antes de rumar ao Brasil para uma carreira brilhante e não submissa.
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