segunda-feira, 10 de junho de 2024

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

 

(Acidentalmente através de um tweet do Presidente Lula da Silva, tive conhecimento da morte da economista Maria da Conceição Tavares, 94 anos de energia crítica e de pensamento de raiz estruturalista sobre a América Latina e, muito particularmente sobre o seu Brasil. Se o Professor Celso Furtado representou o marco dos fundamentos históricos do subdesenvolvimento brasileiro, estudando profundamente a influência colonial na formação do modelo agrário-exportador brasileiro, é a Maria da Conceição Tavares que devemos a explicação seminal das raízes da industrialização brasileira, fundamentalmente do modelo de industrialização por substituição de importantes nos tempos de Getúlio Vargas e da sua posterior exaustão na sequência da internacionalização do mercado interno brasileiro. O talento pedagógico e de geração de pensamento crítico da economista brasileira representa uma das minhas mais estimulantes experiências de estudo do desenvolvimento brasileiro, como estudo de caso da transformação estrutural que o subdesenvolvimento e depois o desenvolvimento distorcido ou truncado como alguns economistas brasileiros o designavam assumiu naquele país, como caso participar do modelo latino-americano. Infelizmente, a vida nunca me proporcionou uma visita de estudo ao Brasil e por isso foi a diversificada obra de Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares que me fez companhia em todos aqueles anos em que o Brasil era um caso de estudo nas minhas aulas. Com a morte de Maria da Conceição Tavares fecha-se um ciclo da economia política no Brasil, já que será extremamente difícil assistirmos ao nascimento de economistas com legado tão profundo na economia estrutural como o que aqueles dois Mestres nos deixaram.)

 

A editora brasileira Contraponto, com financiamento e apoio do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento publicou uma série de ensaios para comemorar os então 80 anos da economia brasileira, designada de Desenvolvimento econômico e crise, com organização de Luiz Carmo Delorme, que amavelmente a viúva de Celso Furtado Rosa Freire d’Aguiar teve a amabilidade de me enviar. Esse livro de 2012 foi o meu último contacto com a obra de Maria da Conceição Tavares, mas a fonte da minha inspiração docente sempre foi o “Da substituição de importações ao capitalismo financeiro” publicado pela Zahar em 1972, que li vezes sem conta, página a página, dada a sua relevância e densidade e algo mais tarde o “Acumulação de Capital e industrialização no Brasil de 1998. Maria da Conceição Tavares foi inspiração para a nova geração de economistas brasileiros interessados em manter e desenvolver a abordagem estrutural, ou seja, para toda aquela corrente que não se iludia com o mainstream da economia, de origem americana, e que através da internacionalização da Universidade de S. Paulo começou a dominar o pensamento universitário brasileiro.

 


A figura da economista brasileira com o fumo do seu cigarro a rodear-lhe o rosto, seja nas aulas ou nos seminários e conferências em que desenvolvia o seu pensamento crítico, permanecerá para sempre nas recordações daqueles que como eu mergulharam no seu pensamento crítico e que através dele, à distância, aprenderam por essa via a compreender os meandros da economia brasileira. Foi também por aí que compreendi o surgimento, ocaso e ressurgimento de Lula da Silva, cuja figura é indissociável do modelo de industrialização e capitalismo que Maria da Conceição Tavares nos ensinou a compreender. Daí a veneração que o próprio Lula lhe dedicava.

Talvez pouca gente saiba que Maria da Conceição Tavares nasceu em Portugal antes de rumar ao Brasil para uma carreira brilhante e não submissa.

 

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