(Esta vida de consultor, hoje já menos andarilho e com quatro dias na semana apenas para trabalhar, a sexta-feira está reservada a coisas mais afetivas do que o trabalho, tem concentrações por vezes inesperadas que dão cabo da vida de um blogger que teima em preparar-se para escrever alguma coisa de jeito, pois de papagaios discursivos estamos cheios. Por isso, no rescaldo de Istambul, e ainda com as lembranças da Cidade a fervilharem na cabeça, o trabalho acumulou-se e só hoje no Alfa em direção ao Porto consegui regressar à escrita, mas sem grande base de pesquisa. A lufa-lufa do trabalho por vezes compensa, pois tenho em mãos a redação e a coordenação de uma equipa para a avaliação de um programa financiado pelo mecanismo do EEA Grants, gerido pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação Bissaya Barreto. Os temas não podiam ser mais estimulantes para os tempos que acolhem as eleições europeias – cidadania e participação cívica, defesa dos direitos humanos e preocupações com a advocacy, empoderamento de públicos vulneráveis e capacitação de ONG. Desta avaliação só poderei infelizmente falar quando os resultados forem públicos. Por isso, depois de elaborar um pouco sobre os resultados de uma reunião de hoje de manhã com a equipa técnica de gestão da FCG, qui estou eu em busca de um tema para o regresso à atividade de blogger insubmisso. Encontrei-o nas costumeiras lateralidades em que o PS frequentemente mergulha vá lá saber-se por que razão freudiana ou de outro tipo, isto em tempos em que as lateralidades se dispensariam e todo o vapor deveria ser colocado no tratamento das essencialidades.)
Há dias, os jornalistas mais interessados na captação de dissonâncias, e existem alguns com talento laboratorialmente preparado para tal, anotaram que entre Pedro Nuno Santos e Marta Temido teriam emergido algumas inconsistências de discurso. Agrupei-me entre aqueles que não ficaram muito entusiasmados com a colocação de Temido a liderar a lista do PS para as Europeias e estou à vontade porque fui dos que reconheceu na ex-ministra da Saúde um percurso notável pelos tempos da pandemia, sujeita a um escrutínio que não se recomenda ao pior dos nossos inimigos e que a frágil ex-Ministra aguentou estoicamente. Chapeau para ela por essa proeza. Mas o que me aborreceu foi que não consegui descortinar o racional da escolha e recusei-me na altura a admitir que a escolha andara ou fora cúmplice de uma procura de notoriedade apenas. De facto, não conhecia na altura qualquer pronunciamento público de Temido sobre a questão europeia e nestas coisas acho que deve haver um mínimo de clareza. Já da escolha de Ana Catarina Mendes poderia dizer o pior, não porque não estime a personagem, mas porque a herança da AIMA está sob fogo e não apenas cruzado, mas direto e, ao escolher ACM, o PS pôs-se claramente a jeito numa matéria em que a AD vai procurar cavar fundo, naquela pose abominável de não querer dar razão ao Chega, mas lá ir cedendo às posições do mesmo. E de facto a herança da AIMA é explosiva e o PS não chegou a meu ver a entender a bola de fogo que estava a oferecer aos seus adversários.
Com estas limitações, até acho que Marta Temido tem excedido as minhas expectativas e daí que tenha desvalorizado essas eventuais dissonâncias de discurso entre Temido e quem a escolheu ou propôs, PNS.
Mas o momento que se vive no Parlamento, ampliado pelo contexto eleitoral em que toda a gente vai querer tirar dividendos de umas eleições não acrescentando nada aos verdadeiros problemas, e esses não são nacionais, é propício a que o ADN de disparates em que o PS é pródigo ande por aí à solta.
Ainda que PNS possa assumir as poses de que está simplesmente a procurar aplicar o que propôs ao eleitorado nas últimas legislativas, a verdade é que a convergência de votos com o Chega que tem acontecido e a reivindicação de vitória que a tem acompanhado quer dizer que o PS está simplesmente a pôr-se a jeito para aproveitamentos que a AD vai tentar exacerbar ao máximo. Obviamente que para o Chega quanto mais confusão melhor, pelo que a referida convergência de voto não é danosa para todas as partes que convergem. Ela é danosa sobretudo porque PNS sabe bem que essa convergência é falaciosa, já que as partes não a defendem pelos mesmos motivos.
O potencial de disparates de opinião é muito elevado e a cada vez mais implacável Ana Sá Lopes já descobriu o primeiro, focando-se na diatribe de Álvaro Beleza, que se lembrou de comparar esta convergência parlamentar com o relacionamento passado do PS com o PRD de Eanes. Já me habituei a encolher os ombros sempre que Álvaro Beleza dá um passo não compatível com a sua perna. Posso estar a ficar cáustico, mas há personalidades na nossa cena política que têm nela uma notoriedade que não consigo explicar ou para ela encontrar fundamento político que é o que me interessa neste assunto. Um dia destes dedico algumas crónicas a essa pesca de personalidades.
Temo que, com tanto ruído e disparate, Marta Temido seja de novo submetida a um stresse exigente, já não felizmente o da pandemia, mas o de conseguir que as eleições europeias não prolonguem o movimento de descida de peso eleitoral que PNS não conseguiu evitar. E neste contexto lá terei eu de procurar motivações bem lá no fundo das minhas preocupações para defender a minha família política.
E, já agora, vu fazê-lo pela primeira vez fora do meu círculo eleitoral, tirando parido de uma tecnologia que pode aproximar os eleitores de uma maior conveniência de escolha do sítio para exercer o dever cívico. Estou com curiosidade em saber se vai funcionar, porque se assim acontecer é um passo importante que será dado.
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