(Com exceção da consultoria exercida por escritórios de advogados a entidades públicas, cujo regime efetivo de exceção brada aos céus e basta estar atento às regras da contratação pública, a vida da consultoria e dos que ainda teimam em exercê-la, designadamente no meu campo da avaliação de políticas públicas, depara com um mercado que é cada vez mais competitivo. E há um esforço tamanho de investimento na preparação de propostas. Estou nessa fase de forte investimento na garantia de trabalho e daí o lufa-lufa profissional se prolongar com prejuízo para a pesquisa que o blogue exige. Vou mesmo assim ensaiar uma reflexão sucinta sobre os resultados das europeias, confrontando o que de positivo aconteceu a nível nacional com o panorama a nível europeu global, esse mais preocupante apesar, segundo alguns, das nuvens negras não se terem mostrado tão ameaçadoras como o esperado. Mas, em meu entender, são meras conjeturas o que podemos fazer pois a situação criada com estes resultados vai ter a sua própria dinâmica e essa pode ser mais ameaçadora do que as notícias de agora. É esse o meu ponto.)
A nível nacional, enquanto o PS e a AD vão alternando de resultados tão pequena foi a diferença de massa de votantes (Marta Temido lá conseguiu fazer valer a sua notoriedade do passado, aguentando uma campanha em que esteve muito desamparada e onde a consistência da lista do PS não se viu), o balão do Chega das legislativas parece ter-se esvaziado em grande medida. Mas mesmo nesta dimensão, não exageraria o valor da queda substancial do peso do partido de Ventura. Os 50 deputados continuam lá, o estilo de liderança que tanto afirma A como o seu contrário também e estão lá para partir a louça e transformar o hemiciclo numa loja de inconveniência. Claro que a descida para cerca de metade na generalidade dos territórios em que o balão encheu tem efeitos e mostra essencialmente que o balão se encheu com uma massa de votantes muito volátil além da base conservadora e do velho regime que define o foco político de Ventura. Ou seja, a volatilidade criada com as legislativas não desapareceu, simplesmente deslocou-se para outros pontos de mira.
Mas, por outro lado, confirmaram-se resultados que estruturalmente as legislativas tinham anunciado. A mais evidente é a dificuldade de crescimento que o espectro político à esquerda do PS demonstra não ser capaz de superar. Catarina Martins e João Oliveira foram eleitos à justa, muito provavelmente mais por força da força política dos dois personagens do que propriamente pela consistência dos projetos políticos que representaram. O PCP continua fiel aos seus dogmas de estimação e o Bloco parece não ter ainda encontrado um campo de crescimento para a liderança de Mariana Mortágua. A principal implicação desta estagnação atinge Pedro Nuno Santos e o PS. Não estando em causa o modelo patético ensaiado por Cafôfo na Madeira, a verdade é que o bloco PS- Bloco – PCP (eventualmente reforçado pelo Livre que enfrentará rapidamente uma crise de transição para um partido não limitado a Rui Tavares) não reúne condições de base para a governação. De facto, ou essa percentagem sobe graças ao PS e nesse caso a cooperação deixa de justificar-se ou teremos de esperar sentados pelo crescimento da base eleitoral à sua esquerda. É inevitável que PNS reflita sobre esta evidência.
Poderíamos falar do crescimento da Iniciativa Liberal, mas suspeito que o efeito candidato às Europeias, Cotrim de Figueiredo, terá aliciado algum eleitorado urbano jovem, mas não é seguro que a IL enquanto força política tenha campo para medrar. Tudo o resto é pouco significativo e mesmo a descida da taxa de abstenção não é para embandeirar em arco.
A nível europeu, a expressão da jornalista Teresa de Sousa que tivemos não um tsunami como esperado, mas apenas uma vaga, é hábil na sua formulação, mas, perdoem-me o pessimismo, não é nem suficiente, nem recomendável, desvalorizar o generalizado crescimento da extrema-direita.
É verdade que o bloco político que integra o PPE, os Socialistas, os Verdes e outras forças políticas com poder de barragem da extrema-direita se aguentou nas pernas. Ursula von der Leyen apressou-se a definir que seria esse o seu campo de negociação, mas uns tempos atrás não desdenhara negociar com a extrema-direita. Mas o crescimento das forças antieuropeias, embora algo desestruturado e com a italiana Meloni a parecer ganhar ascendência no interior desse bloco, essencialmente à custa da restante extrema-direita italiana, não é matéria para ficar em banho-maria.
O problemático motor da Europa, o eixo franco-alemão, está a braços com a crescente incapacidade das forças democráticas para lidar com as respetivas extremas-direitas. E o ato desesperado de Macron, derrotado no campo da sua válvula de escape europeu e convocando legislativas antecipadas para o fim do mês de junho, parece perigosamente assentar na ideia de que a proximidade do poder fará ressaltar a incompetência dessas forças e contribuir por essa via para o esvaziamento do balão. Se ainda não compreendi bem a estratégia do chanceler social-democrata alemão para esvaziar a AfD, já em França me parece que Macron está a ver mal o problema. O crescimento do Grand Rassemblement não é de agora. Ele resulta estruturalmente de um chauvinismo francês que não foi erradicado e da ocupação de vazios que a velha esquerda comunista francesa e o desmembramento dos socialistas foi deixando pelo caminho e parece-me mais preparado para disputar o poder do que Macron imagina. Por isso, por mais que nos possamos regozijar com sinais positivos nos Países Baixos, na Polónia e na resistência do PSOE em Espanha (com o SUMAR de Yolanda Diáz a ruir como um baralho de cartas mal-acondicionado, o que se passa no eixo franco-alemão, extensivo à Áustria, ainda que não seja o tsunami que muitos anteciparam, é por si só capaz de transformar a União e pô-la de cangalhos.
A Europa é pródiga nestes alívios de nuvens carregadas. Afinal o dilúvio não aconteceu e por isso regressemos ao faz de conta.
Em suma, a ameaça total não aconteceu, é certo. Mas os resultados de domingo vão gerar por si só uma dinâmica própria, a qual tem de ser politicamente acompanhada e combatida com rigor. As eleições francesas deste junho vão dar o tom. Em comparação com isto, a discussão se o balão do Chega esvaziou mesmo ou se foi apenas a volatilidade da massa de eleitores que colocaram 50 deputados na Assembleia da República a manifestar-se é, desculpem, uma questão de lana caprina.
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