(O tema da
mudança estrutural das economias, designadamente impulsionada pela posição
assumida pelos diferentes países na globalização, esteve durante largo tempo
fora de moda no pensamento económico dominante, mas eis senão quando a desindustrialização
precoce vem repor tudo de novo, a mudança estrutural existe e interessa…)
Os acólitos do mercado e das suas infinitas benesses sempre desvalorizaram
o tempo e o alcance com que os fatores de produção trabalho, qualificado e
desqualificado, capital e conhecimento se distribuem pelos diferentes setores
de atividade. Por exemplo, a deslocação de trabalho e capital da agricultura
para setores da indústria transformadora, cuja produtividade média é mais
elevada, que pode ser responsável por crescimento económico, sempre foi
desvalorizada pela teoria económica dominante. O argumento é de que esses
processos são temporários e passageiros, não valendo a pena captá-los. O que é
falso. Estamos a falar de processos que podem envolver períodos longos e a sua
magnitude não pode ser escamoteada.
A tendência de desvalorização persiste quando se associa o tema do comércio
externo e da globalização. O livre comércio internacional aumenta os valores de
uso para todos os intervenientes, não sendo por isso relevante analisar com que
estrutura produtiva e com que evolução da mesma se concretiza a opção de
abertura de fronteiras. O que é falso. Sabemos que não é indiferente a longo
prazo e em termos dinâmicos a especialização produtiva com que atacamos o
comércio internacional e nos posicionamos na globalização. Não é de facto
indiferente exportar t-shirts de fraca incorporação de conhecimento ou produtos
de elevada intensidade em conhecimento.
Quer isto significar que o tema da mudança estrutural, se bem que
continuasse a ser estudado, ficou acantonado e limitado ao interesse e
persistência de uns tantos. Mas há coisas que se escrevem direito por linhas
tortas. Ultimamente, certos meios políticos (Trump e outros populismos)
começaram a salientar os efeitos estruturais da globalização na economia
americana. Embora com argumentos errados, confundindo efeitos do progresso
técnico e do comércio externo, o trumpismo trouxe para o debate público uma
tendência de evolução estrutural que os tais persistentes nunca tinham deixado
de estudar, a chamada desindustrialização precoce. Este fenómeno não é mais do
que a tendência para certos países apresentarem quotas de indústria
transformadora no emprego e no produto totais inferiores às que o seu seu
rendimento per capita poderia justificar. Ou seja, com origem inesperada, o
tema da mudança estrutural passou de novo para o coração do debate público, não
pelas mais nobres e justas razões, há que o dizer com frontalidade, mas mesmo
assim recuperado das catacumbas.
Têm-se, assim, multiplicado os artigos relevantes sobre esta nova forma de
ver a globalização, analisando de que modo as economias nela intervenientes
evoluíram estruturalmente, situando aí o atrás referido tema da
desindustrialização precoce.
Adrian Wood (Oxford University) é um desses resistentes. Ele acaba de publicar na Universidade das Nações Unidas um precioso artigo em que analisa
trinta anos de mudança estrutural (1985-2015) em plena globalização, com destaque no Vox.eu. O artigo de Wood é curioso porque recupera, pelo menos
parcialmente, um dos teoremas mais conhecidos da economia internacional, o
velhinho teorema de Heckscher-Ohlin que fez parte da nossa formação em comércio
internacional. O teorema diz-nos que os países tendem a especializar-se nos
produtos que utilizarem mais intensivamente os fatores imóveis (recursos) que
são relativamente mais abundantes nos países, tendendo a importar os bens que
utilizem intensivamente recursos relativamente escassos no país. Os países
ricos relativamente em terra tenderiam a especializar-se em produtos que
utilizam mais intensivamente esse recurso (os produtos primários), ao passo que
os países ricos em trabalho indiscriminado especializar-se-iam em produtos que
o utilizam mais intensivamente (as t shirts atrás referidas) e os ricos em
qualificações apontariam para esse padrão de especialização.
Não é propósito deste post elaborar sobre o velhinho Heckscher-Ohlin, pois
o avanço da especialização internacional exige outros fatores explicativos, como
por exemplo, os efeitos de economias de escala, a eficiência técnica e os custos operacionais. O artigo de Wood é
sugestivo pois analisa os tais 30 anos de mudança estrutural em globalização
através de um conjunto de tipos de países concebidos em função de um aparato
que remete para o referido teorema.
Assim, teremos a distinção básica entre países com escassez ou abundância
relativa de terra e dentro dos primeiros a distinção entre os que têm escassez
ou abundância relativa de qualificações, trabalhando essencialmente dois
indicadores: terra/trabalho e qualificações/trabalho.
E há resultados sugestivos.
O mundo em desenvolvimento como um todo parece ter escapado ao fenómeno da desindustrialização
prematura ou precoce. O emprego formal (estatisticamente registado) e o emprego
total incluindo o informal na indústria transformadora aumentaram de peso. O
mesmo acontece com o produto, desde que este seja medido a preços constantes. Mas
há a evidência dos aumentos de emprego serem limitados a países com escassez relativa
de terra, observando-se a desindustrialização em países com abundância relativa
de terra. Aliás, nestes países com abundância relativa de terra, a indústria
transformadora perdeu peso em matéria de exportações, produto e emprego, ao
passo que nos países com escassez relativa, com exceção dos países OCDE, sucedeu
exatamente o contrário.
A análise de Wood confirma que o velhinho teorema de Heckscher-Ohlin manteve
pelo menos em parte o seu poder de antecipação de efeitos quando se dá a liberalização
do comércio. Os países reforçam a sua especialização em produtos que utilizam
intensivamente os fatores que possuem em maior abundância. Mas Wood acrescenta
um outro efeito para além da redução de custos: “Mais especificamente, as reduções de custos
nas viagens internacionais de negócios e nas comunicações e as melhorias nos
modelos de gestão permitiram que trabalhadores altamente qualificados em países
desenvolvidos pudessem cooperar mais intensiva e efetivamente com os trabalhadores
nos países em desenvolvimento. Algum do aumento de cooperação observou-se no
interior das multinacionais, mas uma grande parte processou-se através de
processos de contratualização entre firmas independentes relacionadas entre si no
seio de uma rede em crescimento de cadeias de valor globais (e através de um
aumento do comércio de partes e componentes.”
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