segunda-feira, 20 de março de 2017

GLOBALIZAÇÃO E MUDANÇA ESTRUTURAL




(O tema da mudança estrutural das economias, designadamente impulsionada pela posição assumida pelos diferentes países na globalização, esteve durante largo tempo fora de moda no pensamento económico dominante, mas eis senão quando a desindustrialização precoce vem repor tudo de novo, a mudança estrutural existe e interessa…)

Os acólitos do mercado e das suas infinitas benesses sempre desvalorizaram o tempo e o alcance com que os fatores de produção trabalho, qualificado e desqualificado, capital e conhecimento se distribuem pelos diferentes setores de atividade. Por exemplo, a deslocação de trabalho e capital da agricultura para setores da indústria transformadora, cuja produtividade média é mais elevada, que pode ser responsável por crescimento económico, sempre foi desvalorizada pela teoria económica dominante. O argumento é de que esses processos são temporários e passageiros, não valendo a pena captá-los. O que é falso. Estamos a falar de processos que podem envolver períodos longos e a sua magnitude não pode ser escamoteada.

A tendência de desvalorização persiste quando se associa o tema do comércio externo e da globalização. O livre comércio internacional aumenta os valores de uso para todos os intervenientes, não sendo por isso relevante analisar com que estrutura produtiva e com que evolução da mesma se concretiza a opção de abertura de fronteiras. O que é falso. Sabemos que não é indiferente a longo prazo e em termos dinâmicos a especialização produtiva com que atacamos o comércio internacional e nos posicionamos na globalização. Não é de facto indiferente exportar t-shirts de fraca incorporação de conhecimento ou produtos de elevada intensidade em conhecimento.

Quer isto significar que o tema da mudança estrutural, se bem que continuasse a ser estudado, ficou acantonado e limitado ao interesse e persistência de uns tantos. Mas há coisas que se escrevem direito por linhas tortas. Ultimamente, certos meios políticos (Trump e outros populismos) começaram a salientar os efeitos estruturais da globalização na economia americana. Embora com argumentos errados, confundindo efeitos do progresso técnico e do comércio externo, o trumpismo trouxe para o debate público uma tendência de evolução estrutural que os tais persistentes nunca tinham deixado de estudar, a chamada desindustrialização precoce. Este fenómeno não é mais do que a tendência para certos países apresentarem quotas de indústria transformadora no emprego e no produto totais inferiores às que o seu seu rendimento per capita poderia justificar. Ou seja, com origem inesperada, o tema da mudança estrutural passou de novo para o coração do debate público, não pelas mais nobres e justas razões, há que o dizer com frontalidade, mas mesmo assim recuperado das catacumbas.

Têm-se, assim, multiplicado os artigos relevantes sobre esta nova forma de ver a globalização, analisando de que modo as economias nela intervenientes evoluíram estruturalmente, situando aí o atrás referido tema da desindustrialização precoce.

Adrian Wood (Oxford University) é um desses resistentes. Ele acaba de publicar na Universidade das Nações Unidas um precioso artigo em que analisa trinta anos de mudança estrutural (1985-2015) em plena globalização, com destaque no Vox.eu. O artigo de Wood é curioso porque recupera, pelo menos parcialmente, um dos teoremas mais conhecidos da economia internacional, o velhinho teorema de Heckscher-Ohlin que fez parte da nossa formação em comércio internacional. O teorema diz-nos que os países tendem a especializar-se nos produtos que utilizarem mais intensivamente os fatores imóveis (recursos) que são relativamente mais abundantes nos países, tendendo a importar os bens que utilizem intensivamente recursos relativamente escassos no país. Os países ricos relativamente em terra tenderiam a especializar-se em produtos que utilizam mais intensivamente esse recurso (os produtos primários), ao passo que os países ricos em trabalho indiscriminado especializar-se-iam em produtos que o utilizam mais intensivamente (as t shirts atrás referidas) e os ricos em qualificações apontariam para esse padrão de especialização.

Não é propósito deste post elaborar sobre o velhinho Heckscher-Ohlin, pois o avanço da especialização internacional exige outros fatores explicativos, como por exemplo, os efeitos de economias de escala, a eficiência técnica  e os custos operacionais. O artigo de Wood é sugestivo pois analisa os tais 30 anos de mudança estrutural em globalização através de um conjunto de tipos de países concebidos em função de um aparato que remete para o referido teorema.

Assim, teremos a distinção básica entre países com escassez ou abundância relativa de terra e dentro dos primeiros a distinção entre os que têm escassez ou abundância relativa de qualificações, trabalhando essencialmente dois indicadores: terra/trabalho e qualificações/trabalho.

E há resultados sugestivos.

O mundo em desenvolvimento como um todo parece ter escapado ao fenómeno da desindustrialização prematura ou precoce. O emprego formal (estatisticamente registado) e o emprego total incluindo o informal na indústria transformadora aumentaram de peso. O mesmo acontece com o produto, desde que este seja medido a preços constantes. Mas há a evidência dos aumentos de emprego serem limitados a países com escassez relativa de terra, observando-se a desindustrialização em países com abundância relativa de terra. Aliás, nestes países com abundância relativa de terra, a indústria transformadora perdeu peso em matéria de exportações, produto e emprego, ao passo que nos países com escassez relativa, com exceção dos países OCDE, sucedeu exatamente o contrário.

A análise de Wood confirma que o velhinho teorema de Heckscher-Ohlin manteve pelo menos em parte o seu poder de antecipação de efeitos quando se dá a liberalização do comércio. Os países reforçam a sua especialização em produtos que utilizam intensivamente os fatores que possuem em maior abundância. Mas Wood acrescenta um outro efeito para além da redução de custos: “Mais especificamente, as reduções de custos nas viagens internacionais de negócios e nas comunicações e as melhorias nos modelos de gestão permitiram que trabalhadores altamente qualificados em países desenvolvidos pudessem cooperar mais intensiva e efetivamente com os trabalhadores nos países em desenvolvimento. Algum do aumento de cooperação observou-se no interior das multinacionais, mas uma grande parte processou-se através de processos de contratualização entre firmas independentes relacionadas entre si no seio de uma rede em crescimento de cadeias de valor globais (e através de um aumento do comércio de partes e componentes.”

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