sábado, 18 de março de 2017

INVESTIMENTO




(A iniciativa da Presidência da República centrada no tema do investimento parece estar condenada a uma grande convergência, mas à medida que dissecamos os seus contornos há questões que estão para além do conforto do consenso…)

A iniciativa pública de Marcelo de trazer, através de uma conferência na Gulbenkian (por que carga de água todas estas iniciativas têm de ser organizadas com o rebanho da capital?), o investimento para o centro do debate do relançamento da economia portuguesa é louvável e teve nela a convergir um grande consenso de opiniões. O quadro macroeconómico nacional só alcançará níveis de sustentação compatíveis com ritmos mais elevados de crescimento económico quando o investimento recuperar da anemia que o tem caracterizado nos últimos tempos. E a recuperação dessa anemia não passa apenas pelo regresso das empresas a uma lógica de ciclos de investimento gizados em função das duas apostas estratégicas, pois já chega de utilização de capacidade produtiva instalada, é necessário aumentar esta última. Será também necessário fazer sair o investimento público do buraco negro em que se colocou, agora mais seletivo e realizado em função do modelo económico que se pretende que a economia portuguesa ocupe na encruzilhada da globalização.

Até este ponto o consenso que é possível formar na sociedade portuguesa é inquestionável e fica bem ao Presidente puxar por essa realidade, colocando-a na agenda política. Mas quando passarmos além deste primeiro passo, a formação de consensos exige mais trabalho. Há questões que não podem ser apressadamente colocadas para debaixo da manta do consenso.

Vou neste post discutir duas ou três questões que se inserem nessa perspetiva mais fina de construção de trajetórias de política que possam afirmar-se para lá das políticas conjunturais.

A primeira questão diz respeito ao modelo económico que o relançamento do investimento privado e público deve servir, a propósito do qual poderei aqui invocar a intervenção da Dra. Teodora Cardoso na conferência promovida por Marcelo e a pequena nota do Daniel Bessa no Expresso de hoje. A referência a estes dois nomes não se deve a uma vaga pretensão de procura de grandes consensos, mas essencialmente porque são ideias que me interessa mobilizar para a discussão. Teodora Cardoso e Daniel Bessa têm razão quando invocam a necessidade de rompimento de uma vez por todas com o modelo de crescimento baseado nos não transacionáveis e no imobiliário e infraestruturas a que a política do 2º governo de Sócrates conduziu o país. Esse modelo teve um fim trágico não só para o país que teve de arcar com um resgate de má memória, mas também visível no clima de fim de ciclo que a destruição malévola do BES e da PT materializaram. Estou por isso na mesma onda, mas a matéria adensa-se quando discutimos o modelo que deve consolidar essa viragem para os transacionáveis.

Não basta, de facto, convergirmos na necessidade de apoiarmos as empresas com maior capacidade de exportação e de penetração noutros mercados externos que não os de habituação do país. Sei, por exemplo, que o modelo imposto pelo resgate da Troika não é sustentado, para além de ser perverso. A aposta na chamada desvalorização interna para conseguir vantagem competitiva é enganosa e é mesmo discutível que, do ponto de vista global, quando se medem custos e benefícios da operação, ela traga resultados positivos. A política de competitividade-preço para empresas que trabalham em mercados de “price takers” é discutível. Para além disso, a avaliação do resgate mostra que é de todo inconveniente fazer acompanhar a aposta na exportação a todo o preço de uma completa destruição de tecidos empresariais e produtivos associados ao mercado interno. Aliás, como aconteceu com o período da Troika em que parte das economias locais foram indevidamente destruídas, com efeitos profundamente perversos no tecido social, sem que daí adviessem efeitos positivos para a exportação.

Ora aqui está uma matéria em que a formação de consensos não é espontânea, sem que isso signifique desacordo da minha parte quanto à imperiosa necessidade de discriminação positiva das empresas exportadoras, também por aí uma via de incrementar a produtividade média da economia portuguesa.

Uma palavra expedita para o turismo. Embora o turismo seja hoje claramente um setor transacionável, não podemos ignorar que o seu florescimento significa também ressurgimento do binómio turismo-imobiliário e este último projeta claramente os vícios do modelo anterior que ruiu com estrondo na segunda metade da década de 2000 e seus prolongamentos.

Finalmente, conviria trabalhar melhor as opções nacionais para a atração de investimento direto estrangeiro com incidência no setor transacionável. A União Europeia é madrasta nesta matéria porque autoriza uma incompreensível heterogeneidade fiscal. Conviria estabilizar se esse modelo de atração passa apenas pela política fiscal e aí é importante avaliar o que é que os portugueses e em que condições estão dispostos a abdicar de receita fiscal para atingir esse resultado. Ou se há, pelo contrário, outro tipo de condições que deveriam paradigmaticamente incorporar uma ação de médio prazo com estabilidade de condições.

Por estes exemplos, compreende-se melhor a necessidade de trabalhar melhor os consensos, pois eles só aparentemente são óbvios e naturais.

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