(A iniciativa da
Presidência da República centrada no tema do investimento parece estar
condenada a uma grande convergência, mas à medida que dissecamos os seus contornos há questões que estão
para além do conforto do consenso…)
A iniciativa pública de Marcelo de trazer, através de uma conferência na
Gulbenkian (por que carga de água todas estas iniciativas têm de ser
organizadas com o rebanho da capital?), o investimento para o centro do debate
do relançamento da economia portuguesa é louvável e teve nela a convergir um
grande consenso de opiniões. O quadro macroeconómico nacional só alcançará
níveis de sustentação compatíveis com ritmos mais elevados de crescimento
económico quando o investimento recuperar da anemia que o tem caracterizado nos
últimos tempos. E a recuperação dessa anemia não passa apenas pelo regresso das
empresas a uma lógica de ciclos de investimento gizados em função das duas
apostas estratégicas, pois já chega de utilização de capacidade produtiva
instalada, é necessário aumentar esta última. Será também necessário fazer sair
o investimento público do buraco negro em que se colocou, agora mais seletivo e
realizado em função do modelo económico que se pretende que a economia
portuguesa ocupe na encruzilhada da globalização.
Até este ponto o consenso que é possível formar na sociedade portuguesa é
inquestionável e fica bem ao Presidente puxar por essa realidade, colocando-a
na agenda política. Mas quando passarmos além deste primeiro passo, a formação
de consensos exige mais trabalho. Há questões que não podem ser apressadamente
colocadas para debaixo da manta do consenso.
Vou neste post discutir duas ou
três questões que se inserem nessa perspetiva mais fina de construção de
trajetórias de política que possam afirmar-se para lá das políticas
conjunturais.
A primeira questão diz respeito ao modelo económico que o relançamento do
investimento privado e público deve servir, a propósito do qual poderei aqui
invocar a intervenção da Dra. Teodora Cardoso na conferência promovida por
Marcelo e a pequena nota do Daniel Bessa no Expresso de hoje. A referência a
estes dois nomes não se deve a uma vaga pretensão de procura de grandes
consensos, mas essencialmente porque são ideias que me interessa mobilizar para
a discussão. Teodora Cardoso e Daniel Bessa têm razão quando invocam a
necessidade de rompimento de uma vez por todas com o modelo de crescimento
baseado nos não transacionáveis e no imobiliário e infraestruturas a que a
política do 2º governo de Sócrates conduziu o país. Esse modelo teve um fim
trágico não só para o país que teve de arcar com um resgate de má memória, mas
também visível no clima de fim de ciclo que a destruição malévola do BES e da
PT materializaram. Estou por isso na mesma onda, mas a matéria adensa-se quando
discutimos o modelo que deve consolidar essa viragem para os transacionáveis.
Não basta, de facto, convergirmos na necessidade de apoiarmos as empresas
com maior capacidade de exportação e de penetração noutros mercados externos
que não os de habituação do país. Sei, por exemplo, que o modelo imposto pelo
resgate da Troika não é sustentado, para além de ser perverso. A aposta na
chamada desvalorização interna para conseguir vantagem competitiva é enganosa e
é mesmo discutível que, do ponto de vista global, quando se medem custos e
benefícios da operação, ela traga resultados positivos. A política de
competitividade-preço para empresas que trabalham em mercados de “price takers” é discutível. Para além
disso, a avaliação do resgate mostra que é de todo inconveniente fazer
acompanhar a aposta na exportação a todo o preço de uma completa destruição de
tecidos empresariais e produtivos associados ao mercado interno. Aliás, como
aconteceu com o período da Troika em que parte das economias locais foram
indevidamente destruídas, com efeitos profundamente perversos no tecido social,
sem que daí adviessem efeitos positivos para a exportação.
Ora aqui está uma matéria em que a formação de consensos não é espontânea,
sem que isso signifique desacordo da minha parte quanto à imperiosa necessidade
de discriminação positiva das empresas exportadoras, também por aí uma via de
incrementar a produtividade média da economia portuguesa.
Uma palavra expedita para o turismo. Embora o turismo seja hoje claramente
um setor transacionável, não podemos ignorar que o seu florescimento significa
também ressurgimento do binómio turismo-imobiliário e este último projeta
claramente os vícios do modelo anterior que ruiu com estrondo na segunda metade
da década de 2000 e seus prolongamentos.
Finalmente, conviria trabalhar melhor as opções nacionais para a atração de
investimento direto estrangeiro com incidência no setor transacionável. A União
Europeia é madrasta nesta matéria porque autoriza uma incompreensível heterogeneidade
fiscal. Conviria estabilizar se esse modelo de atração passa apenas pela política
fiscal e aí é importante avaliar o que é que os portugueses e em que condições
estão dispostos a abdicar de receita fiscal para atingir esse resultado. Ou se
há, pelo contrário, outro tipo de condições que deveriam paradigmaticamente
incorporar uma ação de médio prazo com estabilidade de condições.
Por estes exemplos, compreende-se melhor a necessidade de trabalhar melhor
os consensos, pois eles só aparentemente são óbvios e naturais.
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