(Os trabalhos de
Piketty, Saez e Zucman continuam a dar frutos, trazendo-nos novas pontes para
uma convergência coerente dos estudos da macroeconomia e da desigualdade, procurando recuperar o tempo perdido da
divergência entre a sofisticação crescente da macroeconomia e a tolerada
análise das condições de desigualdade…)
A parceria transatlântica entre Piketty, em Paris, e Saez em Berkeley nos
EUA e Zucman em Londres, sob o manto inspirador do desaparecido e saudoso Tony Atkinson
(Oxford), é das mais bem-sucedidas experiências de cooperação académica, a que
não foi estranha a passagem de Piketty pelos EUA e o fabuloso êxito editorial
do Capital no século XXI do primeiro.
A divergência entre o estudo da macro e da desigualdade não é legado
original da economia política. A distribuição do rendimento já fez parte do
corpo central da macroeconomia e foi o mainstream
neoclássico que destruiu essa herança intelectual. Entre outras razões por
questões de natureza ideológica. Retirar a desigualdade na distribuição do
rendimento “purificava” a macro, retirava-lhe a possível carga dos valores e
daí a uma pretensa “cientificização” da disciplina foi um pequeno passo que
muitos deram prazenteiros e com alívio.
No artigo recente no VOX EU, os três economistas trazem para a discussão um
outro dado que resulta da forte incoerência que existe entre as fontes
tradicionais estatística do estudo da macro e da desigualdade. Entre as contas
nacionais que são a base estatística da macroeconomia e as bases que servem
regra geral de suporte ao estudo da desigualdade, inquéritos ao consumo ou ao
rendimento das famílias e os dados fiscais, há fortes incongruências entre as
três fontes.
Ora, é na procura de uma coerência entre as três fontes, contas nacionais,
dados do fisco e inquéritos às famílias, que o trabalho dos três economistas se
tem notabilizado, restaurando uma tradição que vinha dos trabalhos insanos de
Simon Kuznets e que é agora recuperada. Piketty, Saez e Zucman são o Kuznets do
século XXI que a economia necessitava para estabilizar bases estatísticas que
nos permitam seguir com mais rigor a evolução da desigualdade. Isso é
fundamental para que as políticas públicas inscrevam a questão dos seus
impactos sobre a desigualdade como um princípio fundamental de avaliação ex-ante e de monitorização- aprendizagem
– correção das políticas públicas. Entre outras vias promissoras está o estudo
da desigualdade na distribuição do rendimento antes e depois de impostos e
transferências e a possibilidade de isolar a posição da mulher no rendimento da
família, permitindo avançar os estudos de género.
O artigo da VOX EU anuncia resultados decorrentes deste esforço de
construção integrada de uma base empírica para o estudo da desigualdade, ainda
largamente centrados na economia americana, que nos vão ajudando a perceber os
ventos que por ali vão emergindo.
O gráfico que abre este post é revelador da divisão que está instalada na
sociedade americana. É confrangedor o comportamento da metade inferior das famílias
recebedoras de rendimento. A degradação da sua posição relativa é manifesta e
inequívoca.
O gráfico acima pormenoriza esta degradação relativa e situa-a face ao
comportamento do 1% mais rico.
Há gráficos (imagens) que falam por si, por mais limitações que tenhamos em
matéria interpretativa deste tipo de ferramentas.
Sem comentários:
Enviar um comentário