sexta-feira, 31 de março de 2017

MACROECONOMIA E DESIGUALDADE




(Os trabalhos de Piketty, Saez e Zucman continuam a dar frutos, trazendo-nos novas pontes para uma convergência coerente dos estudos da macroeconomia e da desigualdade, procurando recuperar o tempo perdido da divergência entre a sofisticação crescente da macroeconomia e a tolerada análise das condições de desigualdade…)

A parceria transatlântica entre Piketty, em Paris, e Saez em Berkeley nos EUA e Zucman em Londres, sob o manto inspirador do desaparecido e saudoso Tony Atkinson (Oxford), é das mais bem-sucedidas experiências de cooperação académica, a que não foi estranha a passagem de Piketty pelos EUA e o fabuloso êxito editorial do Capital no século XXI do primeiro.

A divergência entre o estudo da macro e da desigualdade não é legado original da economia política. A distribuição do rendimento já fez parte do corpo central da macroeconomia e foi o mainstream neoclássico que destruiu essa herança intelectual. Entre outras razões por questões de natureza ideológica. Retirar a desigualdade na distribuição do rendimento “purificava” a macro, retirava-lhe a possível carga dos valores e daí a uma pretensa “cientificização” da disciplina foi um pequeno passo que muitos deram prazenteiros e com alívio.

No artigo recente no VOX EU, os três economistas trazem para a discussão um outro dado que resulta da forte incoerência que existe entre as fontes tradicionais estatística do estudo da macro e da desigualdade. Entre as contas nacionais que são a base estatística da macroeconomia e as bases que servem regra geral de suporte ao estudo da desigualdade, inquéritos ao consumo ou ao rendimento das famílias e os dados fiscais, há fortes incongruências entre as três fontes.

Ora, é na procura de uma coerência entre as três fontes, contas nacionais, dados do fisco e inquéritos às famílias, que o trabalho dos três economistas se tem notabilizado, restaurando uma tradição que vinha dos trabalhos insanos de Simon Kuznets e que é agora recuperada. Piketty, Saez e Zucman são o Kuznets do século XXI que a economia necessitava para estabilizar bases estatísticas que nos permitam seguir com mais rigor a evolução da desigualdade. Isso é fundamental para que as políticas públicas inscrevam a questão dos seus impactos sobre a desigualdade como um princípio fundamental de avaliação ex-ante e de monitorização- aprendizagem – correção das políticas públicas. Entre outras vias promissoras está o estudo da desigualdade na distribuição do rendimento antes e depois de impostos e transferências e a possibilidade de isolar a posição da mulher no rendimento da família, permitindo avançar os estudos de género.

O artigo da VOX EU anuncia resultados decorrentes deste esforço de construção integrada de uma base empírica para o estudo da desigualdade, ainda largamente centrados na economia americana, que nos vão ajudando a perceber os ventos que por ali vão emergindo.

O gráfico que abre este post é revelador da divisão que está instalada na sociedade americana. É confrangedor o comportamento da metade inferior das famílias recebedoras de rendimento. A degradação da sua posição relativa é manifesta e inequívoca.

O gráfico acima pormenoriza esta degradação relativa e situa-a face ao comportamento do 1% mais rico.

Há gráficos (imagens) que falam por si, por mais limitações que tenhamos em matéria interpretativa deste tipo de ferramentas.

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