(Gabo a pachorra
aos que respondem ao populismo mais cretino e indigente de Trump com análise
serena e rigorosa, mesmo
que muito provavelmente os resultados dessa diligente paciência não cheguem aos
ouvidos dos que riem alarvemente perante a estupidez trumpiana …)
A velocidade a que Trump vomita falta de rigor e conversa para papalvo rir
alarvemente (é bom que se diga que entre estes papalvos estão alguns
jornalistas) é desconcertante e assim vai preenchendo o seu circo mediático. Há
qui um problema de base que é difícil contornar. Quem ri alarvemente com o
desconchavo quer fazê-lo, exorciza demónios (elites) por essa via. Por isso, é
tarefa exigente contrapor ao desconchavo análise rigorosa, já que não será por
essa via que os alarves deixarão de apreciar o artista.
A relação de Trump com as estatísticas do mercado de trabalho e com o
indicador para jornalista preguiçoso consumir que é a taxa de desemprego entra
neste universo. Pouco tem faltado para Trump do alto da sua estupidez afirmar
que Obama viciou as estatísticas sobre o estado do mercado de trabalho
americano para melhor refletir a intervenção democrata. O argumento é
canhestramente o seguinte: a taxa de desemprego abaixo dos 5% é um embuste, não
refletindo o estado de não ocupação de uma larga franja da população ativa
americana.
Este tema marca bem a falta de seriedade ou de pós-verdade do artista, que
neste caso não é português. De forma rigorosa, este tema não tem estado ausente
do debate no interior da tão odiada elite dos economistas para as tropas de
Trump. De forma sensata e fundamentada, quando o FED USA começou a dar sinais,
para muitos precoce e penalizadoramente, de querer aplicar uma política
monetária mais restritiva, houve quem chamasse a atenção para que o mercado de
trabalho fosse monitorizado por uma bateria de indicadores bem mais rica do que
a isolada taxa de desemprego. Assim, por exemplo, tornou-se quase viral a
emergência no debate de um indicador muitas vezes esquecido que é o rácio
“emprego/população”.
O que é que estava então em jogo?
É conhecida a tese de que em algumas recessões de grande magnitude como a
de 2007-2008 a crise têm efeitos que perduram para além da sua anulação a curto
prazo. Assiste-se frequentemente nesses casos a uma queda estrutural do produto
potencial. A razão é que muitos ativos, depois de perderem o emprego e não por
razões etárias ou de passagem legal à reforma ou inatividade, tendem a não
regressar ao mercado de trabalho. Apanhados por um inquérito ao emprego, manifestam-se
no sentido de não terem procurado ativamente um emprego e de não terem
intenções de o fazer nos próximos tempos. Quer isto significar que para aquele
inquérito “estão mortos para o mercado de trabalho”. Ou seja não influenciam a
taxa de desemprego.
Nestas condições, ou se compara a evolução da taxa de desemprego e de
rácios como o “emprego/população” ou se calculam taxas de desemprego ajustadas
ou corrigidas entre outras dimensões pela magnitude dos que se mantêm alheados
do mercado de trabalho, depois de lá terem estado. Há gente rigorosa para ambas
as alternativas. Ou seja, a economia do trabalho tem as suas armas e
ferramentas para contrariar os argumentos e as reações alarves. Mas claro que o
objetivo não é esse. O objetivo é o contrário: é poder proferir um argumento
alarve e insidioso e poder reagir alarvemente, para afastar os seus demónios de
estimação e evitar uma sessão de análise ou comportamentos mais desviantes. Com
jornalistas alarves a ajudar.
Entre as taxas de desemprego corrigidas, está o chamado “Hornstein-Kudlyak-LangeNon-Employment Index”. Trata-se de um índice com uma construção algo complexa e
necessariamente falível, já que trabalha com probabilidades de retornos de
grupos de população específicos à chamada força e trabalho, que podem não se verificar
na prática. O último valor publicado respeita a fevereiro de 2017 e calcula uma
taxa de desemprego corrigida de 8,7% contrastando com a 4,7% sem correção. Essa
taxa sobre para 9,3%, acrescentando a população eu trabalha involuntariamente a
tempo parcial e que gostaria de trabalhar a tempo inteiro. Esta segunda correção
já é calculada pelo INE no caso português.
Justin Fox no Bloomberg é dos que pretende remar contra este deprimente
estado de coisas chamando para a sua folha a informação e os contributos
certos.
Trump tem razão ao invocar a não ocupação de muita gente, mas o que não
pode é ignorar que isso pode ser medido. Não pode também ignorar que essa massa
de gente que não conta para a taxa de desemprego na justa medida das suas
declarações aos inquéritos de emprego não responde aos incentivos de emprego
como outro qualquer desempregado que está ativamente no mercado à procura de um
novo emprego. Qualquer outra tentativa de jogar com a desinformação acerca do
mercado de trabalho é um aproveitamento inqualificável.
Sem comentários:
Enviar um comentário