quinta-feira, 30 de março de 2017

TRUMP E O MERCADO DE TRABALHO




(Gabo a pachorra aos que respondem ao populismo mais cretino e indigente de Trump com análise serena e rigorosa, mesmo que muito provavelmente os resultados dessa diligente paciência não cheguem aos ouvidos dos que riem alarvemente perante a estupidez trumpiana …)

A velocidade a que Trump vomita falta de rigor e conversa para papalvo rir alarvemente (é bom que se diga que entre estes papalvos estão alguns jornalistas) é desconcertante e assim vai preenchendo o seu circo mediático. Há qui um problema de base que é difícil contornar. Quem ri alarvemente com o desconchavo quer fazê-lo, exorciza demónios (elites) por essa via. Por isso, é tarefa exigente contrapor ao desconchavo análise rigorosa, já que não será por essa via que os alarves deixarão de apreciar o artista.

A relação de Trump com as estatísticas do mercado de trabalho e com o indicador para jornalista preguiçoso consumir que é a taxa de desemprego entra neste universo. Pouco tem faltado para Trump do alto da sua estupidez afirmar que Obama viciou as estatísticas sobre o estado do mercado de trabalho americano para melhor refletir a intervenção democrata. O argumento é canhestramente o seguinte: a taxa de desemprego abaixo dos 5% é um embuste, não refletindo o estado de não ocupação de uma larga franja da população ativa americana.

Este tema marca bem a falta de seriedade ou de pós-verdade do artista, que neste caso não é português. De forma rigorosa, este tema não tem estado ausente do debate no interior da tão odiada elite dos economistas para as tropas de Trump. De forma sensata e fundamentada, quando o FED USA começou a dar sinais, para muitos precoce e penalizadoramente, de querer aplicar uma política monetária mais restritiva, houve quem chamasse a atenção para que o mercado de trabalho fosse monitorizado por uma bateria de indicadores bem mais rica do que a isolada taxa de desemprego. Assim, por exemplo, tornou-se quase viral a emergência no debate de um indicador muitas vezes esquecido que é o rácio “emprego/população”.

O que é que estava então em jogo?

É conhecida a tese de que em algumas recessões de grande magnitude como a de 2007-2008 a crise têm efeitos que perduram para além da sua anulação a curto prazo. Assiste-se frequentemente nesses casos a uma queda estrutural do produto potencial. A razão é que muitos ativos, depois de perderem o emprego e não por razões etárias ou de passagem legal à reforma ou inatividade, tendem a não regressar ao mercado de trabalho. Apanhados por um inquérito ao emprego, manifestam-se no sentido de não terem procurado ativamente um emprego e de não terem intenções de o fazer nos próximos tempos. Quer isto significar que para aquele inquérito “estão mortos para o mercado de trabalho”. Ou seja não influenciam a taxa de desemprego.

Nestas condições, ou se compara a evolução da taxa de desemprego e de rácios como o “emprego/população” ou se calculam taxas de desemprego ajustadas ou corrigidas entre outras dimensões pela magnitude dos que se mantêm alheados do mercado de trabalho, depois de lá terem estado. Há gente rigorosa para ambas as alternativas. Ou seja, a economia do trabalho tem as suas armas e ferramentas para contrariar os argumentos e as reações alarves. Mas claro que o objetivo não é esse. O objetivo é o contrário: é poder proferir um argumento alarve e insidioso e poder reagir alarvemente, para afastar os seus demónios de estimação e evitar uma sessão de análise ou comportamentos mais desviantes. Com jornalistas alarves a ajudar.

Entre as taxas de desemprego corrigidas, está o chamado “Hornstein-Kudlyak-LangeNon-Employment Index”. Trata-se de um índice com uma construção algo complexa e necessariamente falível, já que trabalha com probabilidades de retornos de grupos de população específicos à chamada força e trabalho, que podem não se verificar na prática. O último valor publicado respeita a fevereiro de 2017 e calcula uma taxa de desemprego corrigida de 8,7% contrastando com a 4,7% sem correção. Essa taxa sobre para 9,3%, acrescentando a população eu trabalha involuntariamente a tempo parcial e que gostaria de trabalhar a tempo inteiro. Esta segunda correção já é calculada pelo INE no caso português.

Justin Fox no Bloomberg é dos que pretende remar contra este deprimente estado de coisas chamando para a sua folha a informação e os contributos certos.

Trump tem razão ao invocar a não ocupação de muita gente, mas o que não pode é ignorar que isso pode ser medido. Não pode também ignorar que essa massa de gente que não conta para a taxa de desemprego na justa medida das suas declarações aos inquéritos de emprego não responde aos incentivos de emprego como outro qualquer desempregado que está ativamente no mercado à procura de um novo emprego. Qualquer outra tentativa de jogar com a desinformação acerca do mercado de trabalho é um aproveitamento inqualificável.

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