(É historicamente
recorrente que a futurologia do progresso tecnológico tenda a impactar o debate
tecnologia-crescimento-emprego muito antes de se operar uma efetiva disseminação,
e a questão dos robôs
parece estar em linha com essa regularidade …)
Robert Solow, um dos grandes economistas ainda vivos, trouxe nos anos 70
para a opinião pública americana uma afirmação que ficou célebre nos anais da
economia da tecnologia e do emprego, algo de semelhante a esta frase: “os computadores estão por todo o lado menos na
produtividade”. O que Solow queria então vincar era a reduzida
influência que a revolução das tecnologias de informação teve inicialmente na
economia, com muitos reduzidos efeitos na produtividade da economia americana,
designadamente na produtividade total dos fatores, a que pressupostamente mede
a eficiência global com que as economias combinam os fatores de produção disponíveis.
Se compararmos essa discussão com a que vai marcando o debate atual, com a
robotização à perna, rapidamente compreendemos que há uma diferença
substancial, que não é despicienda. No caso da alegoria de Solow, era então
indiscutível que os computadores estavam de facto por todo o lado, o problema era
a repercussão na produtividade. Ora, o que se passa atualmente, é que estamos
longe de estarmos a viver uma completa e disseminada robotização da economia. Brad DeLong não hesita em afirmar que não será no período até 2020 que os robôs
marcarão transversalmente a revolução tecnológica. Mas eles estão por aí e até
os poderemos ver a curto prazo numa prateleira da FNAC. Lawrence Mishel no blog do Economic Policy Institute recupera a célebre frase de Solow e arrisca: “os robôs estão em todas as notícias mas parece não deixarem
qualquer rasto nos dados”.
(Business Insider)
O que parece estar a acontecer é uma confusão de aparato de incidência e de
efeitos entre o que poderíamos designar de economia digital e a robotização da
economia. A incidência da primeira parece inquestionável e uma das duas
principais evidências é, por exemplo, a substituição clara que se operando
entre a percentagem do nosso tempo de consumidores dedicado a meios de comunicação
pagos como a televisão e a imprensa escrita e o que tendemos hoje a dedicar aos
media digitais (ver gráfico acima). Ora, a economia digital começa por fazer
repercutir os seus efeitos na utilidade humana que os consumidores retiram da infraestrutura
de informação e comunicação, cujos benefícios estão longe de estar refletidos no
produto interno que somos capazes de medir e, consequentemente, na produtividade
que depende, no seu numerador, dessa medida.
Mas a taxa de crescimento da produtividade do trabalho e de outras variáveis
associadas como o capital, o equipamento em tecnologias de informação e o
software estão em claríssima desaceleração depois de, no período 1995-2002, se
terem dissipado as dúvidas de Solow; nos períodos seguintes, de 2002 a 2007 e
de 2007 a 2014, todas as taxas de crescimento desaceleraram: a da produtividade
do trabalho passaram de 3,3,% ao ano para 2,2 e 1,5%, respetivamente; as do capital, de 5,0% ao ano
para 3,0 e 1,7%, respetivamente; as do equipamento em TIC de 2,5% ao ano para
1,2 e 0,7% respetivamente; e as do software de 1,3% ao ano para 0,5 e 0,3%,
respetivamente (dados recolhidos por Lawrence Mishel para a economia
americana).
Ou seja, o ruído mediático em torno da robotização estará para durar, mas
se estivermos atentos à história económica talvez não nos devêssemos surpreender
com tanta novidade.
Em primeiro lugar, será necessário nos próximos tempos compreender qual vai
ser a incidência primordial da robotização: alterar radicalmente a nossa vida
doméstica? Transformar crucialmente as condições de aproveitamento de recursos
virais como, por exemplo, os oceanos profundos através da chamada robótica marinha?
Ou revolucionar a fábrica como a conhecemos ou as grandes cadeias de distribuição?
Depois, não será novidade antecipar que atravessaremos ainda um longo período
até que as estatísticas da produtividade e de outras variáveis associadas comecem
a refletir a sua incidência.
Finalmente, a interrogação mais existencial aponta para a inevitável dúvida
se desta vez vai ser diferente em termos de revolução tecnológica e de emprego,
preocupação no curto prazo com libertação de emprego ditada pelo desemprego
tecnológico, maior distensão no longo prazo com a criação de novos empregos proporcionada
pela nova tecnologia.
Por isso, envolver-nos para já numa discussão ampla sobre se devemos ou não
taxar os robôs, ou melhor a sua utilização, talvez seja prematuro, embora o tema
tenha despertado a atenção de prémios Nobel da Economia como Robert J. Schiller (link aqui).
O modo como o tema dos impostos sobre os robôs veio com a capa do efeito sobre
a desigualdade que a disseminação progressiva dos robôs pode gerar. Talvez
fosse conveniente esgotar outras modalidades de política fiscal para combater esse
flagelo dos 1%, como por exemplo os trabalhos de Piketty e do seu grupo têm
vindo a suscitar, no quadro de um debate mais alargado sobre os destinos da social-democracia
europeia.
Por enquanto, a grande e eterna indeterminação dos rumos da inovação
determinará que continuaremos a viver sob a pressão angustiante da questão “será
desta vez diferente? Se for efetivamente diferente, então a minha geração viverá
para além de outras coisas o estilhaçar de mais uma regularidade histórica – a capacidade
de a longo prazo o progresso tecnológico compensar a destruição de empregos do
curto prazo. Não estou certo disso. Mas não enjeito a possibilidade de termos
de reconstruir todo um modelo de tempos de trabalho para contrariar o lado
negro do desemprego tecnológico.
Uma reflexão interessante sobre este tema é a de Richard B. Freeman, o qual, num trabalho com o título "Who owns the robots rules the world", entre outras reflexões, se refere à possibilidade dos trabalhadores beneficiarem das tecnologias que substituem o seu trabalho se as formas de propriedade do capital se alterarem.
ResponderEliminarA referência é preciosa. Grato por isso. Vou arranjar tempo para a integrar em reflexão futura. Richard Freeman é alguém de incontornável na economia do trabalho que interessa a este blogue. Grato.
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