(O ataque vil ao
parlamento britânico e a frequentadores aleatórios da Westminster Bridge
faz-nos regressar à banalização da violência, prolongada até à náusea pela compreensível
mas muitas vezes descuidada abordagem dos media, e cada vez mais se me enraíza a ideia de que
a batalha de todas as batalhas consistirá em preservar a nossa vida democrática
mantendo a indignação …)
A ponte de Westminster e todo aquele quarteirão ribeirinho do Tamisa fazem
parte do que costumo chamar “espaço público global”. Quantos de nós não fomos já
fugazmente felizes, percorrendo como Flâneurs de ocasião aqueles espaços, cruzando-nos
com os “commuters” diários daquelas
paragens, que vão variando em função do ritmo e dos tempos de cada dia? Não será
a estupidez do Brexit que nos afastará afetivamente desses espaços.
Pois esse “espaço público global” foi ontem vilmente atingido pela violência
terrorista, cada vez mais o resultado de uma articulação longínqua ou mais
direta entre comunidades locais minoritárias que usam o benefício da tolerância
para destruir os valores da sociedade de quem os acolheu e a influência do terrorismo
internacional. É uma agressão simbólica na barbárie que transmite, assim como o
é também o ataque que estaria incluído no pacote da agressão ao parlamento britânico
e não sabemos se à primeira-Ministra Theresa May. Apesar dos deslizes pontuais que
se têm verificado na Casa da Democracia britânica, derivados da degenerescência
de comportamentos de serviço público que atinge também os representantes eleitos
britânicos, o Parlamento de Westminster é um bastião da democracia ocidental e o
ataque de que é alvo não pode deixar de ser simbólico.
Vem-me à cabeça espontaneamente a coragem diária das forças de ordem e
segurança e também a coragem cívica dos que vão resistindo à tentação securitária,
continuando a viver a Cidade, a usufruir das suas amenidades, sem que o
conceito de espaço público se desvaneça, interrompido aqui e ali em função
deste tipo de intrusões. A luta é manifestamente desigual. Nas condições atuais
em que a comunicação se desenvolve, um atentado como o de ontem prolonga-se até
à exaustão muito para além do facto consumado e dos efeitos de devastação que
provoca. Cada incidente gera as suas próprias histórias e os heróis mais inesperados.
Desta vez, Keith Palmer o polícia morto e Tobias Ellwood, deputado,
sub-secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros que socorreu em primeiro
lugar o polícia atingido serão os mais recordados. Mas para mim, os futuros heróis
serão os que, hoje e nos dias seguintes, vão continuar a exercer as suas funções
de vigilância, proteção e segurança e os intérpretes do “melting pot” londrino que resistirão à tentação securitária, vivendo
a sua Cidade e os seus espaços públicos, talvez mais vigilantes, olhando com
suspeição para alguém mais taciturno e suspeito, mas não permitindo que a
intolerância acolhida pela tolerância rompa de vez com o próprio conceito de
espaço público e mate o cosmopolitismo.
Estranha batalha esta. Uma batalha que temos a sensação de ser interminável.
Pois a ilusão de que ela pode ter um fim confronta-se obviamente com o risco de
que a democracia, a tolerância, o respeito pelas liberdades individuais possam
ser destruídas ou comprometidas. Este é o drama das sociedades tolerantes e
democráticas no seu confronto diário com civilizações que não prezam esses valores.
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