quinta-feira, 23 de março de 2017

RESISTIR À BANALIZAÇÃO DA BARBÁRIE




(O ataque vil ao parlamento britânico e a frequentadores aleatórios da Westminster Bridge faz-nos regressar à banalização da violência, prolongada até à náusea pela compreensível mas muitas vezes descuidada abordagem dos media, e cada vez mais se me enraíza a ideia de que a batalha de todas as batalhas consistirá em preservar a nossa vida democrática mantendo a indignação …)

A ponte de Westminster e todo aquele quarteirão ribeirinho do Tamisa fazem parte do que costumo chamar “espaço público global”. Quantos de nós não fomos já fugazmente felizes, percorrendo como Flâneurs de ocasião aqueles espaços, cruzando-nos com os “commuters” diários daquelas paragens, que vão variando em função do ritmo e dos tempos de cada dia? Não será a estupidez do Brexit que nos afastará afetivamente desses espaços.

Pois esse “espaço público global” foi ontem vilmente atingido pela violência terrorista, cada vez mais o resultado de uma articulação longínqua ou mais direta entre comunidades locais minoritárias que usam o benefício da tolerância para destruir os valores da sociedade de quem os acolheu e a influência do terrorismo internacional. É uma agressão simbólica na barbárie que transmite, assim como o é também o ataque que estaria incluído no pacote da agressão ao parlamento britânico e não sabemos se à primeira-Ministra Theresa May. Apesar dos deslizes pontuais que se têm verificado na Casa da Democracia britânica, derivados da degenerescência de comportamentos de serviço público que atinge também os representantes eleitos britânicos, o Parlamento de Westminster é um bastião da democracia ocidental e o ataque de que é alvo não pode deixar de ser simbólico.

Vem-me à cabeça espontaneamente a coragem diária das forças de ordem e segurança e também a coragem cívica dos que vão resistindo à tentação securitária, continuando a viver a Cidade, a usufruir das suas amenidades, sem que o conceito de espaço público se desvaneça, interrompido aqui e ali em função deste tipo de intrusões. A luta é manifestamente desigual. Nas condições atuais em que a comunicação se desenvolve, um atentado como o de ontem prolonga-se até à exaustão muito para além do facto consumado e dos efeitos de devastação que provoca. Cada incidente gera as suas próprias histórias e os heróis mais inesperados. Desta vez, Keith Palmer o polícia morto e Tobias Ellwood, deputado, sub-secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros que socorreu em primeiro lugar o polícia atingido serão os mais recordados. Mas para mim, os futuros heróis serão os que, hoje e nos dias seguintes, vão continuar a exercer as suas funções de vigilância, proteção e segurança e os intérpretes do “melting pot” londrino que resistirão à tentação securitária, vivendo a sua Cidade e os seus espaços públicos, talvez mais vigilantes, olhando com suspeição para alguém mais taciturno e suspeito, mas não permitindo que a intolerância acolhida pela tolerância rompa de vez com o próprio conceito de espaço público e mate o cosmopolitismo.

Estranha batalha esta. Uma batalha que temos a sensação de ser interminável. Pois a ilusão de que ela pode ter um fim confronta-se obviamente com o risco de que a democracia, a tolerância, o respeito pelas liberdades individuais possam ser destruídas ou comprometidas. Este é o drama das sociedades tolerantes e democráticas no seu confronto diário com civilizações que não prezam esses valores.

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