terça-feira, 21 de março de 2017

POR QUE RAZÕES CAI O PESO DAS REMUNERAÇÕES DO TRABALHO NO RENDIMENTO?




(Aguarda-se com alguma expectativa a publicação do World Economic Outlook do FMI em 10 de abril, no qual o terceiro capítulo analítico é dedicado a esta questão, o que não deixa de ser sintomático nos tempos que correm, por mais reservas que possamos estabelecer sobre as diferenças entre o FMI que analisa e o que decide…)

Entre os velhinhos “factos estilizados do crescimento económico” devidos ao economista Nicholas KALDOR e com que ensinávamos teoria do crescimento aos estudantes de economia, estava o facto estilizado de que as proporções das remunerações do trabalho e do capital no rendimento tendiam a oscilar em torno de um valor constante. Entre outros pressupostos que têm de ser recordados para compreender este facto, não desmentido em períodos longos passados, estava a ideia de que o salário real evoluiria à taxa de variação da produtividade do trabalho, por sua vez igual ao ritmo de variação do progresso técnico medido pela chamada produtividade global dos fatores.

Sabemos hoje que a moderna teoria do crescimento trabalha com outros factos estilizados para incorporar os temas do crescimento endógeno, das despesas de I&D e da inovação. Mas a constância indicativa das proporções das remunerações dos fatores no rendimento continua a representar uma espécie de referencial que diferencia o habitual e o anómalo. Como sabemos também, o tema da desigualdade da distribuição do rendimento não se esgota nesta dimensão funcional da repartição entre salários e lucros, incorporando também o tema da distribuição pessoal. Mas em tempos de grande sensibilidade ao tema da desigualdade, a evolução do peso das remunerações dos fatores no rendimento não pode deixar de atrair as atenções. E, pelos vistos, até uma instituição como o FMI se interessa pelo tema, dedicando-lhe um capítulo do seu World Economic Outlook. Não custa imaginar a visibilidade que o tema vai assumir com essa publicação, confirmando aliás ideias que temos vindo a convocar neste espaço.

Numa espécie de antecipação aguçadora do apetite intelectual pela futura leitura do World Economic Outlook, o FMI divulgou recentemente um gráfico no qual se realiza uma leitura conjuntura de duas variáveis: a tal preocupante descida do peso das remunerações do trabalho (salários mais benefícios sociais) no rendimento e a descida do preço relativo dos bens de investimento e de equipamento relativamente aos bens de consumo, interpretada como uma medida indireta do progresso técnico entretanto observado nesses países.

O que o gráfico nos mostra com clareza é que os países que viram o preço relativo dos bens de investimento descer com maior amplitude foram também aqueles em que o peso das remunerações do trabalho mais desceu. A notícia do FMI refere ainda que as economias com maior descida do preço relativo do investimento são aquelas em que o peso da maquinaria e do equipamento no investimento é mais alto, o que acontece nos EUA e na Alemanha. A associação entre as duas variáveis não implica a necessária existência de uma causalidade. Mas pode adiantar-se que, quanto mais acentuada for a descida do preço do investimento, mais provável é a ocorrência de substituição de trabalho por capital, não sendo entretanto indiferente o tipo de tarefas produtivas passíveis de maior automatização. E lá iremos dar à robotização entre outras dimensões.

Na interpretação do FMI, a descida do preço dos bens de investimento, tais como computadores e outras tecnologias de informação e comunicação, é interpretada como uma medida indireta ou aproximada do progresso técnico. Da teoria económica sabemos ainda que o preço relativo dos bens de investimento tende sempre a descer à medida que os processos de desenvolvimento tendem a aumentar o preço relativo dos serviços, dominantemente entendidos como algo de não transacionável. Mas em contexto de estagnação secular, com propensão para o investimento a baixar, o excesso de poupança, designadamente vinda da Ásia, tenderá a aprofundar a descida do preço relativo dos bens de investimento. O preço relativo do investimento de que fala a nota de alerta do FMI é calculado em relação aos bens de consumo, que não deixam também de sofrer a evolução do progresso técnico. Por isso, estou com alguma curiosidade em ler com mais pormenor o tal terceiro capítulo do World Economic Outlook para aferir melhor a consistência do argumento assumido pelos economistas da instituição. Mas que é uma associação sugestiva, não tenho dúvidas. Daí a haver uma causalidade sólida, veremos.

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