(Aguarda-se com
alguma expectativa a publicação do World Economic Outlook do FMI em 10 de
abril, no qual o terceiro capítulo analítico é dedicado a esta questão, o que não deixa de ser sintomático nos
tempos que correm, por mais reservas que possamos estabelecer sobre as
diferenças entre o FMI que analisa e o que decide…)
Entre os velhinhos “factos estilizados do crescimento económico” devidos ao
economista Nicholas KALDOR e com que ensinávamos teoria do crescimento aos
estudantes de economia, estava o facto estilizado de que as proporções das
remunerações do trabalho e do capital no rendimento tendiam a oscilar em torno
de um valor constante. Entre outros pressupostos que têm de ser recordados para
compreender este facto, não desmentido em períodos longos passados, estava a
ideia de que o salário real evoluiria à taxa de variação da produtividade do
trabalho, por sua vez igual ao ritmo de variação do progresso técnico medido
pela chamada produtividade global dos fatores.
Sabemos hoje que a moderna teoria do crescimento trabalha com outros factos
estilizados para incorporar os temas do crescimento endógeno, das despesas de
I&D e da inovação. Mas a constância indicativa das proporções das
remunerações dos fatores no rendimento continua a representar uma espécie de
referencial que diferencia o habitual e o anómalo. Como sabemos também, o tema
da desigualdade da distribuição do rendimento não se esgota nesta dimensão
funcional da repartição entre salários e lucros, incorporando também o tema da
distribuição pessoal. Mas em tempos de grande sensibilidade ao tema da
desigualdade, a evolução do peso das remunerações dos fatores no rendimento não
pode deixar de atrair as atenções. E, pelos vistos, até uma instituição como o
FMI se interessa pelo tema, dedicando-lhe um capítulo do seu World Economic Outlook. Não custa
imaginar a visibilidade que o tema vai assumir com essa publicação, confirmando
aliás ideias que temos vindo a convocar neste espaço.
Numa espécie de antecipação aguçadora do apetite intelectual pela futura
leitura do World
Economic Outlook, o FMI divulgou recentemente um gráfico no qual se
realiza uma leitura conjuntura de duas variáveis: a tal preocupante descida do
peso das remunerações do trabalho (salários mais benefícios sociais) no
rendimento e a descida do preço relativo dos bens de investimento e de
equipamento relativamente aos bens de consumo, interpretada como uma medida
indireta do progresso técnico entretanto observado nesses países.
O que o gráfico nos mostra com clareza é que os países que viram o preço
relativo dos bens de investimento descer com maior amplitude foram também aqueles
em que o peso das remunerações do trabalho mais desceu. A notícia do FMI refere
ainda que as economias com maior descida do preço relativo do investimento são
aquelas em que o peso da maquinaria e do equipamento no investimento é mais
alto, o que acontece nos EUA e na Alemanha. A associação entre as duas variáveis
não implica a necessária existência de uma causalidade. Mas pode adiantar-se
que, quanto mais acentuada for a descida do preço do investimento, mais provável
é a ocorrência de substituição de trabalho por capital, não sendo entretanto indiferente
o tipo de tarefas produtivas passíveis de maior automatização. E lá iremos dar à
robotização entre outras dimensões.
Na interpretação do FMI, a descida do preço dos bens de investimento, tais
como computadores e outras tecnologias de informação e comunicação, é
interpretada como uma medida indireta ou aproximada do progresso técnico. Da
teoria económica sabemos ainda que o preço relativo dos bens de investimento
tende sempre a descer à medida que os processos de desenvolvimento tendem a
aumentar o preço relativo dos serviços, dominantemente entendidos como algo de
não transacionável. Mas em contexto de estagnação secular, com propensão para o
investimento a baixar, o excesso de poupança, designadamente vinda da Ásia, tenderá
a aprofundar a descida do preço relativo dos bens de investimento. O preço
relativo do investimento de que fala a nota de alerta do FMI é calculado em
relação aos bens de consumo, que não deixam também de sofrer a evolução do progresso
técnico. Por isso, estou com alguma curiosidade em ler com mais pormenor o tal
terceiro capítulo do World Economic
Outlook para aferir melhor a consistência do argumento assumido pelos
economistas da instituição. Mas que é uma associação sugestiva, não tenho dúvidas.
Daí a haver uma causalidade sólida, veremos.
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