quarta-feira, 1 de março de 2017

O NÚNCIO NÃO QUERIA BENEFICIAR O INFRATOR

(Fotografia de José Carlos Carvalho para o Expresso)


(Quanto mais se cava em matérias financeiras e do fisco mais minhocas incompreensíveis emergem à luz do dia, confirmando que o crony capitalism à portuguesa cavalgou que baste esta onda, e a reportagem de investigação de Pedro Coelho na SIC ainda mais adensa esta perceção…)

É bem provável que a não publicação das estatísticas entre 2011 e 2014 relativas a transferências para offshores previamente comunicadas pela banca em sede de Portal das Finanças possa não ter dado origem a uma monstruosa evasão ou fraude fiscal. Se assim acontecer, o governo PAF sai mal do processo, mas não é por isso encostado às cordas. Se, pelo contrário, se vier a demonstrar que a não publicação das estatísticas terá determinado a não atividade inspetiva que cabia à Autoridade Tributária realizar e isso estar na origem de impostos não cobrados, então a maioria que apoia o governo do PS terá margem para grandes faenas e o efeito das relações não canónicas entre Centeno e Domingues será esmorecido apesar da "entretenga" da nova Comissão Parlamentar.

O cidadão fiscalmente cumpridor como este vosso blogger fica com algo atrás da orelha a segredar-lhe que o estão a tomar por parvo. É “brilhante” a conclusão de que uma simples mudança de software pôs a nu praticamente o dobro do que o software anterior permitia identificar em matéria de transferências para offshores. Vou passar a estar mais atento às mudanças de software, pois poderemos pensar quantas mudanças não concretizadas terão ocultado tramas do género, incompetências com dolo ou sem dolo, enfim o oposto da imagem que a Autoridade Tributária faz passar.

Mas que Paulo Núncio tenha utilizado a metáfora do benefício do infrator para se defender e justificar o injustificável já entra no domínio do delírio. A metáfora vem do futebol. O árbitro beneficia o infrator quando apita para uma falta que se não fosse cobrada colocaria declaradamente o infrator em poior situação do que se fosse objeto de uma penalidade (incluindo a grande, é indiferente para o caso). Pois o que Núncio nos pretende fazer crer é que a publicação das estatísticas equivale à marcação de uma falta que a acontecer colocaria os infratores (transferentes para offshores) em melhor situação. O argumento é ridículo e não tem defesa possível. O Secretário de Estado interpreta à sua maneira uma deliberação de governo anterior que já tinha sido aplicada (que se saiba sem qualquer benefício do infrator), julgando-se árbitro quando não é árbitro algum. E tanto ele próprio não acredita na metáfora que rapidamente se apressa a sugerir que, mesmo que tivesse autorizado a publicação das estatísticas, a atividade inspetiva da Autoridade Tributária teria incidido até ao aparecimento do novo software em apenas cerca de ½ da real dimensão das transferências. Estamos no reino do faz de conta e sobretudo convencido que pode meter os dedos pelos olhos dentro das pessoas. Atrever-se a colocar no mesmo a transparência da ação pública e o benefício potencial e não demonstrado a infratores fiscais releva do simplesmente inaudito e revela um secretário de Estado dos mecanismos ocultos e que nuvens negras não terão passado pela sua experiência governativa.

Ainda que Núncio, aquele que não queria beneficiar o infrator fiscal, tenha assumido individualmente a responsabilidade no caso, este vem obviamente colocar quase em sentido a oposição de direita, tão entusiasmada em cavalgar a nabice comunicacional de Centeno. Rocha Andrade terá por certo subido vários degraus e depressa na escada do bem visto no Governo. Dirão os mais azougados deputados do PSD e do PP que assim não dá, tanto trabalhinho do mais puro rodeo para cavalgar a caixa negra da Caixa e eis que a interpretação de Núncio do não benefício ao infrator vem estragar o arranjinho e equilibrar os sound bites.

Entretanto, a reportagem de investigação do jornalista Pedro Coelho da SIC (de hoje até sexta em horário nobre) abre retrospetivamente com as profundezas do caso BES novos motivos de interesse que colocam de novo o Banco de Portugal na berlinda, embora o Governador vá continuar a esgrimir o tema do deve mas não pode para justificar a não ponderação de informações que colocariam a idoneidade de Ricardo Salgado em cheque.

Ou muito me engano ou teremos arqueologia até eu ser bem velhinho.

Nota final: tenho reparado que Eurico Brilhante Dias, deputado do PS, tem voltado a aparecer na ribalta com muita insistência, vindo de um certo limbo que interpretei como o produto da dificuldade de passar da entourage de Seguro para a da nova liderança no PS. Atendendo às tremidelas de Centeno, que até pelos vistos justificaram uma petição pública para a sua manutenção no governo que me chegou hoje ao correio eletrónico, será que o PS está a ensaiar uma espécie de substituto para o Pizzi, tão isolado no meio campo ofensivo do SLB, e sujeito a um enorme desgaste? E lá volta a martelar-me a cabeça aquela questão que repetidas vezes aqui coloquei, mas afinal quem é o ministro das Finanças do PS? Questão que Centeno tem resolvido a contento, mais pelos golos que marcou do que pela beleza das jogadas que produziu.

(Algumas correções ortográficas em 02.03.2017, 12.27)

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