(Fotografia de José Carlos Carvalho para o Expresso)
(Quanto mais se cava
em matérias financeiras e do fisco mais minhocas incompreensíveis emergem à luz
do dia, confirmando que o crony capitalism à portuguesa cavalgou que baste esta
onda, e a reportagem de investigação
de Pedro Coelho na SIC ainda mais adensa esta perceção…)
É bem provável que a não publicação das estatísticas entre 2011 e 2014
relativas a transferências para offshores
previamente comunicadas pela banca em sede de Portal das Finanças possa não ter
dado origem a uma monstruosa evasão ou fraude fiscal. Se assim acontecer, o governo
PAF sai mal do processo, mas não é por isso encostado às cordas. Se, pelo contrário, se
vier a demonstrar que a não publicação das estatísticas terá determinado a não atividade
inspetiva que cabia à Autoridade Tributária realizar e isso estar na origem de
impostos não cobrados, então a maioria que apoia o governo do PS terá margem para
grandes faenas e o efeito das relações não canónicas entre Centeno e Domingues será
esmorecido apesar da "entretenga" da nova Comissão Parlamentar.
O cidadão fiscalmente cumpridor como este vosso blogger fica com algo atrás
da orelha a segredar-lhe que o estão a tomar por parvo. É “brilhante” a conclusão
de que uma simples mudança de software
pôs a nu praticamente o dobro do que o software anterior permitia identificar
em matéria de transferências para offshores.
Vou passar a estar mais atento às mudanças de software, pois poderemos pensar quantas mudanças não concretizadas
terão ocultado tramas do género, incompetências com dolo ou sem dolo, enfim o
oposto da imagem que a Autoridade Tributária faz passar.
Mas que Paulo Núncio tenha utilizado a metáfora do benefício do infrator
para se defender e justificar o injustificável já entra no domínio do delírio.
A metáfora vem do futebol. O árbitro beneficia o infrator quando apita para uma
falta que se não fosse cobrada colocaria declaradamente o infrator em poior
situação do que se fosse objeto de uma penalidade (incluindo a grande, é
indiferente para o caso). Pois o que Núncio nos pretende fazer crer é que a
publicação das estatísticas equivale à marcação de uma falta que a acontecer
colocaria os infratores (transferentes para offshores)
em melhor situação. O argumento é ridículo e não tem defesa possível. O Secretário
de Estado interpreta à sua maneira uma deliberação de governo anterior que já
tinha sido aplicada (que se saiba sem qualquer benefício do infrator), julgando-se
árbitro quando não é árbitro algum. E tanto ele próprio não acredita na metáfora
que rapidamente se apressa a sugerir que, mesmo que tivesse autorizado a publicação
das estatísticas, a atividade inspetiva da Autoridade Tributária teria incidido
até ao aparecimento do novo software
em apenas cerca de ½ da real dimensão das transferências. Estamos no reino do
faz de conta e sobretudo convencido que pode meter os dedos pelos olhos dentro
das pessoas. Atrever-se a colocar no mesmo a transparência da ação pública e o
benefício potencial e não demonstrado a infratores fiscais releva do simplesmente
inaudito e revela um secretário de Estado dos mecanismos ocultos e que nuvens
negras não terão passado pela sua experiência governativa.
Ainda que Núncio, aquele que não queria beneficiar o infrator fiscal, tenha
assumido individualmente a responsabilidade no caso, este vem obviamente colocar
quase em sentido a oposição de direita, tão entusiasmada em cavalgar a nabice comunicacional
de Centeno. Rocha Andrade terá por certo subido vários degraus e depressa na
escada do bem visto no Governo. Dirão os mais azougados deputados do PSD e do
PP que assim não dá, tanto trabalhinho do mais puro rodeo para cavalgar a caixa
negra da Caixa e eis que a interpretação de Núncio do não benefício ao infrator
vem estragar o arranjinho e equilibrar os sound
bites.
Entretanto, a reportagem de investigação do jornalista Pedro Coelho da SIC
(de hoje até sexta em horário nobre) abre retrospetivamente com as profundezas
do caso BES novos motivos de interesse que colocam de novo o Banco de Portugal
na berlinda, embora o Governador vá continuar a esgrimir o tema do deve mas não
pode para justificar a não ponderação de informações que colocariam a idoneidade
de Ricardo Salgado em cheque.
Ou muito me engano ou teremos arqueologia até eu ser bem velhinho.
Nota final: tenho reparado que Eurico Brilhante Dias, deputado do PS, tem voltado
a aparecer na ribalta com muita insistência, vindo de um certo limbo que interpretei
como o produto da dificuldade de passar da entourage de Seguro para a da nova
liderança no PS. Atendendo às tremidelas de Centeno, que até pelos vistos
justificaram uma petição pública para a sua manutenção no governo que me chegou
hoje ao correio eletrónico, será que o PS está a ensaiar uma espécie de substituto
para o Pizzi, tão isolado no meio campo ofensivo do SLB, e sujeito a um enorme
desgaste? E lá volta a martelar-me a cabeça aquela questão que repetidas vezes
aqui coloquei, mas afinal quem é o ministro das Finanças do PS? Questão que
Centeno tem resolvido a contento, mais pelos golos que marcou do que pela beleza
das jogadas que produziu.
(Algumas correções ortográficas em 02.03.2017, 12.27)
(Algumas correções ortográficas em 02.03.2017, 12.27)
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