sexta-feira, 24 de março de 2017

MAS AFINAL O QUE É UM BANCO PÚBLICO?




(Vai pelo burgo uma grande agitação sobre as pretensas obrigações de um banco público e, embora desconheça na prática o mandato que foi colocado em cima dos ombros da nova administração da CGD, não é difícil chegar à conclusão de que campeia a mais completa desorientação entre as hostes políticas quanto ao papel da banca pública, aconselhando por isso …)

A maneira canhestra e incompetente com que as forças políticas representadas a nível parlamentar tendem a influenciar a opinião pública quanto às obrigações a impor à Caixa Geral de Depósitos fazem emergir a ideia de que o dinheiro público a cobrar através de impostos estará tanto mais defendido quanto menos interferência houver dessas forças junto da Administração da Caixa.

A asneira subiu de tom quando se formou a ideia recente de que a CGD estaria obrigada a uma espécie de serviço público de cobertura da mais ínfima parcela do território nacional. Tudo como se a banca fizesse parte desse serviço público e ainda mais espantoso como se não houvesse toda uma outra máquina de administração pública que o governo tem à sua disposição para manter a sua presença pelo território. Mais ainda como se o Estado estivesse imune a más práticas nessa matéria, sobretudo pela forma territorialmente desintegrada e vertical como organiza a sua eficiência no território, precipitando ele próprio o abandono dos territórios, condenando-os à agonia da não proximidade face aos cidadãos residentes. Ou ainda como se não conhecêssemos as vicissitudes da criada Unidade de Missão para a Valorização do Interior, mendigando (sem ofensa para a Professora Helena de Freitas) em cada ministério uns euros para forjar um pacote coerente de medidas de intervenção. Por isso, é particularmente “comovente” ver como as forças políticas choram como Madalenas as dificuldades que a reestruturação da CGD colocará a esses territórios, quando são cúmplices de anos e anos de inação quanto a esta matéria.

Por outro lado, toda a gente carpiu as suas acusações contra a insensibilidade territorial da reestruturação da Caixa, não prestando a mínima atenção ao estado lastimoso em que a instituição foi colocada, claro que também pela crise de 2007-2008, mas muito e fundamentalmente por decisões que continham em si mesmas a marca de água inconfundível da imparidade, alimentando um modelo de crescimento económico que estava condenado à exaustão. Ou seja, como se a recapitalização fosse um processo que atuasse a partir do zero, sem constrangimentos, onde não tivéssemos que contornar as exigências da burocracia das ajudas de estado e outras que tais.

Noutro plano, sobretudo à esquerda, o banco público é interpretado como uma entidade que atuará num mercado inexistente, como se estivesse sozinho e não tivesse de enfrentar estratégias de concorrentes poderosos, particularmente ligados ao sistema financeiro espanhol e, em menor medida, caso do BCP, ao chinês. Por vezes, surge a ideia de que existe uma correlação forte entre existência de um banco público, solidez financeira e desenvolvimento do país (Jorge Coelho tem sido autor na Quadratura desta posição), sem que se compreenda o fundamento de tal argumento. À direita, por mais estratégia defensiva que coloquem nos argumentos, à medida que falam e situam as suas razões mais ficamos convencidos que não têm a coragem política para pedir a privatização da entidade.

É por isso neste contexto fundamental discutir o que é que estas almas pensam dever ser um banco público.

Aqui vão algumas ideias possíveis para ajudar a limpar o ruído que tem por aí proliferado.

Em primeiro lugar, a partir do momento em que a ideia do Banco de Fomento foi completamente abordada e que a economia portuguesa não tem uma oferta de crédito a longo prazo compatível com os desafios que enfrenta. Assim, poderá discutir-se em que medida a CGD poderá ser orientada para esse desígnio, constituindo-se em centro racionalizador de financiamento a médio e longo prazo na economia portuguesa. Mas não é líquido que a economia portuguesa constitua mercado credível para esse alinhamento de desígnio.

Depois, o banco público tem um papel a desempenhar na moralização das decisões de crédito, contribuindo para afastar do sistema a procura insolvente e não capaz de desenvolver projetos de retorno seguro e aqui muito terá que contrariar administrações anteriores, sobretudo as que se deixaram embalar pela tentação dos não transacionáveis.

Mais ainda, há sempre o foco possível do crédito à internacionalização e à exportação, apoiando a mudança estrutural na afetação de recursos na economia portuguesa de que tanto necessitamos para uma maior sustentabilidade do crescimento.

Não esqueçamos também o papel possível de articulação saudável e racionalizadora entre a oferta de poupança decorrente da diáspora e a sua canalização para o investimento, sem falsos eldorados de taxas super, super.

E, por fim, dada a sua quota de mercado, o banco público pode contribuir para o alinhamento de posições estabilizadoras no mercado, impondo referenciais para os restantes players.

Matéria não falta. A minha dúvida não andará por aí. Andará mais pelo peso de constrangimento que a situação de partida tenderá a impor ao banco público, apesar da recapitalização.

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