sábado, 4 de março de 2017

ORA, ORA, Ó TEODORA!




(Pela boca morre o peixe, mesmo os mais adestrados em escapar à tentação do isco, e é o que parece estar a acontecer à responsável pelo Conselho das Finanças Públicas…)

Uma primeira palavra para a relevância que poderia ter num país como Portugal uma instituição como o Conselho de Finanças Públicas (CFP), não estando em causa quem o dirige. A existência de órgãos técnicos credíveis, dotados de competências reconhecidas na área macroeconómica e das finanças públicas, pode constituir um excelente contraponto da atividade governativa e, sobretudo se assumir uma postura pedagógica e bem fundamentada, pode constituir um precioso referencial para a opinião pública. O tema das finanças públicas e do orçamento são, como sabemos, fonte de nuvens e de crispação política, pelo que todos os caminhos que ajudem a desconstruir nebulosidade e crispação são úteis para a informação democrática.

A economista Teodora Cardoso assumiu a presidência do CFP desde a sua constituição e na altura a sua indigitação, senão totalmente consensual, foi pelo menos relativamente pacífica. Não sendo propriamente uma académica, Teodora Cardoso tem uma vida profissional praticamente associada a uma lógica de serviço público, essencialmente no Banco de Portugal. A sua passagem inicial pelo então instituto de investigação de economia na Fundação Calouste Gulbenkian pode considerar-se uma antecâmara da sua futura ligação ao Banco de Portugal. Só o período em que foi consultora do BPI por convite do Dr. Santos Silva é que constitui uma exceção. O seu conhecimento da economia portuguesa sempre foi profundo e nos tempos do Banco de Portugal a sua ligação aos meios e conferências internacionais garantiu-lhe uma sensibilidade aos meandros da ciência económica e sobretudo do domínio das políticas de estabilização e monetária que lhe permitia dialogar de igual para igual com macroeconomistas de matriz mais académica. Basta recordar algumas das suas passagens e intervenções por conferências sobre a economia portuguesa para perceber do que estamos a falar.

Porém, Teodora Cardoso, que é uma personalidade que está longe de poder ser associada a uma economista insensível ou culturalmente amorfa (veja-se uma excelente entrevista de Anabela Mota Ribeiro à economista, em 2007, publicada pelo Jornal de Negócios), assume o CFP num momento muito particular do estado da economia e da macroeconomia em particular. Temos dado conta neste blogue do estado de insatisfação, de interrogação e até de alguma desorientação, que a macroeconomia tem vivido após a crise de 2007-2008 e sobretudo da questão de bem compreender as razões da incipiente recuperação que as economias avançadas experimentaram. A economia do “zero lower bound” e dos sinais de estagnação secular tem agitado como sabemos a macroeconomia e são necessários muito trabalho e vozes autorizadas para transpor esse novo contexto da macroeconomia para a economia portuguesa. Essa tarefa não é fácil, atendendo sobretudo a dois elementos: o peso da dívida e o nível de desenvolvimento económico da economia portuguesa.

Em meu entender, uma instituição como o CFP não pode passar à margem destas questões. Desde o período da Troika que o CFP foi perdendo equidistância face à necessidade de compreender de que a consolidação das finanças públicas imposta à bruta pela lógica restrita do interesse dos credores não deve constituir uma espécie de passo lógico para a redenção do crescimento, pois a terapia mata o doente. É antes de um equilíbrio que tem de ser encontrado a nível político entre consolidação e crescimento que é necessário conseguir. Por exemplo, o contributo do CFP para estimular os sucessivos governos a uma efetiva reorganização da máquina do Estado foi-se perdendo em algumas conferências e tenho de confessar que a passagem do professor Rui Baleiras pelo CFP foi também uma desilusão, aliás como tinha sido a sua passagem pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional.

Não faço ideia de que modo o CFP elabora as suas previsões macro de suporte à sua análise do orçamento, se tem modelo próprio, se recorre ao Banco de Portugal ou a qualquer outro suporte. Mas Teodora Cardoso tinha obrigação de saber que os modelos de previsão macroeconómica estão sob o fogo da contestação, se não fora por outros motivos por se ter chegado à conclusão que eles não integravam a questão do sistema financeiro. Por isso, economistas bem mais reputados e prestigiados no mundo do que a nossa Teodora têm reconhecido as suas limitações em matéria de previsão macroeconómica (veja-se Olivier Blanchard, por exemplo), assumindo posições mais recatadas e menos arrogantes em torno da força dos números (às décimas, esclareça-se). Ora, desde que a geringonça de Costa tomou forma e deu à perna, a incapacidade do CFP assumir uma posição de contraponto fundamentado e sólido às previsões do Governo tem saltado aos olhos do menos avisado.

Nestas coisas tendo a ser bondoso. Imagino que o posicionamento de Teodora Cardoso será mais influenciado por não acompanhamento atempado do estado da macroeconomia do que propriamente por posicionamento pessoal face à solução outrora não canónica (hoje um dado para futuros rearranjos de soluções governamentais) modalidade de governo. O seu comentário acerca do pretenso milagre de conduzir o défice público de 2,1% em 2016 é pelo menos equívoco e não pode deixar de colocar sob fogo o próprio CFP.

A Presidente do CFP pode dar as entrevistas que quiser, inclusivamente no registo da excelente entrevista de 2007, dando uma outra imagem de si e da sua vida. Mas quando se referir a matéria de contraponto ao discurso do Governo, fundamental para o enriquecimento da opinião púbica, aí pede-se rigor e não simples opinião e sobretudo uma posição bem menos arrogante em relação ao que a previsão macroeconómica hoje significa.

E já agora não seria mau pôr cá fora com transparência qual é o método e quais são as ferramentas que o CFP utiliza para aferir da consistência dos cenários de previsão governamental. E não me venham com a questão dos recursos. Quem considera que não tem recursos técnicos, humanos e de modelização para exercer com rigor e independência os seus cargos deve colocar o lugar à disposição.

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