(Pela boca morre
o peixe, mesmo os mais adestrados em escapar à tentação do isco, e é o que parece estar a acontecer à responsável
pelo Conselho das Finanças Públicas…)
Uma primeira palavra para a relevância que poderia ter num país como
Portugal uma instituição como o Conselho de Finanças Públicas (CFP), não
estando em causa quem o dirige. A existência de órgãos técnicos credíveis,
dotados de competências reconhecidas na área macroeconómica e das finanças públicas,
pode constituir um excelente contraponto da atividade governativa e, sobretudo
se assumir uma postura pedagógica e bem fundamentada, pode constituir um precioso
referencial para a opinião pública. O tema das finanças públicas e do orçamento
são, como sabemos, fonte de nuvens e de crispação política, pelo que todos os
caminhos que ajudem a desconstruir nebulosidade e crispação são úteis para a informação
democrática.
A economista Teodora Cardoso assumiu a presidência do CFP desde a sua
constituição e na altura a sua indigitação, senão totalmente consensual, foi
pelo menos relativamente pacífica. Não sendo propriamente uma académica, Teodora
Cardoso tem uma vida profissional praticamente associada a uma lógica de serviço
público, essencialmente no Banco de Portugal. A sua passagem inicial pelo então
instituto de investigação de economia na Fundação Calouste Gulbenkian pode
considerar-se uma antecâmara da sua futura ligação ao Banco de Portugal. Só o
período em que foi consultora do BPI por convite do Dr. Santos Silva é que
constitui uma exceção. O seu conhecimento da economia portuguesa sempre foi
profundo e nos tempos do Banco de Portugal a sua ligação aos meios e conferências
internacionais garantiu-lhe uma sensibilidade aos meandros da ciência económica
e sobretudo do domínio das políticas de estabilização e monetária que lhe
permitia dialogar de igual para igual com macroeconomistas de matriz mais académica.
Basta recordar algumas das suas passagens e intervenções por conferências sobre
a economia portuguesa para perceber do que estamos a falar.
Porém, Teodora Cardoso, que é uma personalidade que está longe de poder ser
associada a uma economista insensível ou culturalmente amorfa (veja-se uma excelente
entrevista de Anabela Mota Ribeiro à economista, em 2007, publicada pelo Jornal
de Negócios), assume o CFP num momento muito particular do estado da economia e
da macroeconomia em particular. Temos dado conta neste blogue do estado de
insatisfação, de interrogação e até de alguma desorientação, que a macroeconomia
tem vivido após a crise de 2007-2008 e sobretudo da questão de bem compreender as
razões da incipiente recuperação que as economias avançadas experimentaram. A
economia do “zero lower bound” e dos
sinais de estagnação secular tem agitado como sabemos a macroeconomia e são
necessários muito trabalho e vozes autorizadas para transpor esse novo contexto
da macroeconomia para a economia portuguesa. Essa tarefa não é fácil, atendendo
sobretudo a dois elementos: o peso da dívida e o nível de desenvolvimento económico
da economia portuguesa.
Em meu entender, uma instituição como o CFP não pode passar à margem destas
questões. Desde o período da Troika que o CFP foi perdendo equidistância face à
necessidade de compreender de que a consolidação das finanças públicas imposta à
bruta pela lógica restrita do interesse dos credores não deve constituir uma espécie
de passo lógico para a redenção do crescimento, pois a terapia mata o doente. É
antes de um equilíbrio que tem de ser encontrado a nível político entre consolidação
e crescimento que é necessário conseguir. Por exemplo, o contributo do CFP para
estimular os sucessivos governos a uma efetiva reorganização da máquina do Estado
foi-se perdendo em algumas conferências e tenho de confessar que a passagem do
professor Rui Baleiras pelo CFP foi também uma desilusão, aliás como tinha sido
a sua passagem pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional.
Não faço ideia de que modo o CFP elabora as suas previsões macro de suporte
à sua análise do orçamento, se tem modelo próprio, se recorre ao Banco de Portugal
ou a qualquer outro suporte. Mas Teodora Cardoso tinha obrigação de saber que
os modelos de previsão macroeconómica estão sob o fogo da contestação, se não
fora por outros motivos por se ter chegado à conclusão que eles não integravam a
questão do sistema financeiro. Por isso, economistas bem mais reputados e
prestigiados no mundo do que a nossa Teodora têm reconhecido as suas limitações
em matéria de previsão macroeconómica (veja-se Olivier Blanchard, por exemplo),
assumindo posições mais recatadas e menos arrogantes em torno da força dos números
(às décimas, esclareça-se). Ora, desde que a geringonça de Costa tomou forma e deu
à perna, a incapacidade do CFP assumir uma posição de contraponto fundamentado e
sólido às previsões do Governo tem saltado aos olhos do menos avisado.
Nestas coisas tendo a ser bondoso. Imagino que o posicionamento de Teodora Cardoso
será mais influenciado por não acompanhamento atempado do estado da macroeconomia
do que propriamente por posicionamento pessoal face à solução outrora não canónica
(hoje um dado para futuros rearranjos de soluções governamentais) modalidade de
governo. O seu comentário acerca do pretenso milagre de conduzir o défice público
de 2,1% em 2016 é pelo menos equívoco e não pode deixar de colocar sob fogo o
próprio CFP.
A Presidente do CFP pode dar as entrevistas que quiser, inclusivamente no
registo da excelente entrevista de 2007, dando uma outra imagem de si e da sua
vida. Mas quando se referir a matéria de contraponto ao discurso do Governo, fundamental
para o enriquecimento da opinião púbica, aí pede-se rigor e não simples opinião
e sobretudo uma posição bem menos arrogante em relação ao que a previsão
macroeconómica hoje significa.
E já agora não seria mau pôr cá fora com transparência qual é o método e
quais são as ferramentas que o CFP utiliza para aferir da consistência dos cenários
de previsão governamental. E não me venham com a questão dos recursos. Quem considera
que não tem recursos técnicos, humanos e de modelização para exercer com rigor e
independência os seus cargos deve colocar o lugar à disposição.
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