segunda-feira, 13 de março de 2017

ERDOGAN E O POPULISMO EUROPEU




(O islamismo turco, representado no mais do que discutível projeto de autoperpetuação no poder do Presidente turco Erdoğan, deve merecer mais atenção do que uma complacente perspetiva, introduzindo no populismo europeu novos carburantes aceleradores de uma fogueira que corre o risco de ficar incontrolável…)

Quando refletimos com ponderação no facto indesmentível da política europeia de abordagem da questão dos refugiados ter utilizado o arrevesado acordo com a Turquia como o principal mecanismo político tendente à resolução (?) do problema, um arrepio estranho percorre-nos a espinha dorsal. Recep Tayyip Erdoğan não está entre aquelas personalidades que gostaríamos de receber em casa ou fazer negócio e por isso ter a política europeia refém desta peça diz bem do estado lastimável a que a política externa europeia chegou, se acaso assim se pode chamar ao desatino a que a Signora Federina Moguerini tenta em vão dar existência.

Pois, agora a caminhada em marcha de Erdoğan para a eternização no poder encontrou na instabilidade política holandesa um campo fértil, depois do governo holandês ter recusado a entrada a dois ministros que vinham fazer campanha junto da população turca nos Países Baixos a favor do SIM no próximo referendo na Turquia às pretensões do Presidente. O problema é que agora a arrogância trapaceira do islamismo turco tropeça com as próprias eleições holandesas desta semana e o líder da extrema-direita Geert Wilders parece ter encontrado nos insultos descabidos de Erdoğan à Holanda e na instabilidade e violência provocadas na rua pela comunidade turca na Holanda o presente ideal para uma semana de eleições. Estou em crer que a população holandesa resistirá a esta viciação do jogo eleitoral a partir de fora, limitando uma vez mais Wilders a uma posição que não lhe permita o acesso à governação. Claro que no contexto da refrega, nem uma palavra relevante se ouviu à política externa da União Europeia, o que bem demonstra o grau zero a que as instâncias europeias chegaram, com ou sem cenários prospetivos (matéria para um próximo post).

A dimensão das comunidades islâmicas em alguns países europeus é de tal ordem que já se torna perigoso fazer de conta que estes riscos não se colocam, sobretudo quando do lado de lá não está a ameaça do Estado Islâmico, mas antes poderes que chocam de frente com os valores da democracia, do laicismo e da separação de poderes e se intrometem na vida democrática das sociedades de acolhimento. O problema não pode ser ignorado e hoje de manhã enquanto esperava numa fila de trânsito típica daquele horário ouvia na Antena 1 ser entrevistado o escritor português radicado há cerca de 40 anos na Holanda, Rentes de Carvalho, que dizia bem compreender os holandeses que votavam no tresloucado Wilders e que ele próprio admitia a hipótese de um voto de protesto em tão estranha personalidade. Não sei se a senilidade terá já atingido o escritor irreversivelmente, mas talvez conviesse compreender as suas razões, sobretudo quando ele invoca que a magnitude de população imigrada na Holanda começa a intimidar e incomodar muita gente.

Não temos em Portugal uma situação imigratória que nos permita compreender a emergência destas posições. Neste último domingo, na Lisboa dos afetos familiares, vi um grupo de cerca de vinte e tal filipinos que caminhava em conjunto para as escadinhas que conduzem ao largo da Capela de Santo Amaro em Alcântara, um sítio aprazível com uma vista excelente sobre o Tejo, onde estacionara o meu carro, para dançarem música tradicional filipina, confraternizarem, preservarem tradição, gozando o seu domingo soalheiro, embora frio. Uma situação não muito usual, mas pontual e na qual qualquer Lisboeta não sentiria pressão de incomodidade alguma. Não é isto que se passa em algumas cidades europeias, em que a concentração da cultura islâmica acaba por impor aos residentes nativos alguma pressão de valores, já que como sabemos a cultura islâmica não tem a nossa maneira de ocupar e usufruir do espaço público. O equilíbrio é ténue e a nossa cultura de vivência e de convivialidade no espaço público pode chocar com outros sistemas de valores, sem qualquer intenção de cercear a liberdade aos outros, mas condicionando a nossa liberdade de usufruição desse espaço.

Por isso, embora Rentes de Carvalho possa ter tido um assomo securitário, conviria não desvalorizar o seu testemunho, afinal ele escreve coisas que os holandeses compreendem, compram e gostam. Não estamos em tempos de fechar os olhos e ignorar a incomodidade.

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