(Para lá da
Declaração de Roma que à hora em que escrevo não foi fácil encontrar e de inúmeras
e alternativas ideias que vieram a público nos últimos dias com propostas para
o envelhecimento ativo da velha Europa, fica a sensação de que falta a liderança política necessária para
transformar cenários e ideias numa via consequente …)
A Europa que este fim-de-semana se comemora é quase tão velha como eu e o
que vale é que a analogia não colhe e por isso não é de envelhecimento ativo que
se deve falar a propósito desta efeméride. As instituições podem sobreviver às
vidas felizes, suportadas ou penosas de todos nós. Mas, neste caso, é mesmo a
sobrevivência que deve ser o foco da nossa discussão.
Não sou especialmente amante de catastrofismos mais ou menos futuristas. As
antecipações que têm sido realizadas nos últimos tempos sobre o futuro da Europa
foram concebidas em torno de sinais e não de tendências confirmadas. Os factos e
panoramas políticos que as suportaram são muito voláteis e a evolução do próprio
contexto global interage fortemente com as situações que tomamos como sinais. Temos
de pensar, pelo contrário, a partir de tendências estruturais mais pesadas como,
por exemplo, o envelhecimento e sua projeção no tempo, a degradação das lideranças
políticas quando comparadas com as que fizeram a construção Europeia, o esvaziamento
progressivo da memória da guerra, o que pensam realmente os jovens que vão
fazendo a Europa transnacional, o acolhimento pela casa europeia de fontes
potenciais de disseminação do terrorismo mais radical.
A Declaração de Roma que culmina a reunião do Conselho Europeu deste fim-de-semana
e que constitui a primeira tomada de posição oficial a nível de 27 países após
a decisão do Reino Unido indicar uma data para a invocação do artigo 50º que conduzirá
ao BREXIT talvez tenha tido um parto difícil. Ela é uma declaração-compromisso
e apesar de compreensiva não será provavelmente daqui que sairá uma nova dinâmica
política. Mas no seu conteúdo está lá tudo o que é de real importância: o
reconhecimento da história e do pensamento de uns poucos que se transformou em
esperança de muitos; a questão da segurança; a prosperidade sustentável que só a
relação inovação-crescimento-emprego pode assegurar; a defesa da Europa social;
o reforço do papel da Europa na cena global; a afirmação dos valores da
democracia, eficácia e transparência do processo de decisão; a resposta aos
anseios dos cidadãos e o envolvimento dos parlamentos nacionais.
Infelizmente, não estamos em tempos em que a galvanização dos impulsos para
a ação venha de declarações com esta amplitude e envergadura, ou melhor não é
de declarações que a galvanização se alimenta, ainda que curtas e incisivas.
Aliás, nos últimos tempos têm-se reproduzido manifestações de pensamento a
partir do que poderíamos chamar as elites europeias.
Hoje, no Expresso, uma declaração intitulada O Despertar,
assinada por 42 personalidades (António Vitorino e Francisco Balsemão são
signatários portugueses) e onde pontificam nomes como Delors, Prodi, Solana, Santer,
Landaburu e outros, propõe um manifesto que não se afasta substancialmente do
espírito da declaração de hoje. Talvez com a vantagem de acentuar que se trata
de propostas que não implicam a alteração do Tratado de Lisboa, de rejeitar
claramente a via de uma União a várias velocidades, de defender o reforço do
Conselho do Euro e vincar o risco do isolamento dos países num cenário de desagregação
da Europa.
Também nos últimos tempos e com o mesmo argumento de não ser necessário
qualquer alteração de tratados surgiu a partir de um grupo de economistas e
cientistas políticos a ideia de democratização da zona Euro, com a constituição
de um Parlamento do Euro com deputados dos parlamentos nacionais e do Parlamento
Europeu (veja-se aqui um post de Piketty sobre o assunto e aqui o próprio texto
da proposta).
O Livro Branco da Comissão Europeia sobre os cenários do futuro da União
pode incluir-se nesta torrente, o que pode ser entendido como uma evidência de
que as ideias não escasseiam.
Mas então por que razão tudo isto não nos galvaniza?
Em meu modesto entender, o entusiasmo esmorece quando começamos a pensar
nas bases políticas nacionais e europeias que podem protagonizar a aplicação
deste pensamento. É verdade que a Declaração de Roma de hoje é assinada por 27
países. Podemos pensar que as assinaturas ainda valem alguma coisa e que tais
assinaturas representam governos que são suportadas por forças políticas. Podemos
também pensar que o caminho para o precipício iniciado pelos surtos populistas
na Europa está relativamente contido e que a incerteza mundial é demasiada para
não influenciar negativamente pretensões de abandono da causa e das regras
europeias.
Continuo a pensar que sobretudo para uma economia pequena, indefesa e frágil
como a nossa, apesar da valia da diáspora e da resiliência histórica que nos
caracteriza, a indeterminação, volatilidade e perigosidade da situação e da
economia mundial de hoje trazem para o debate uma dimensão política que é ignorada,
por exemplo, pelos defensores em Portugal da saída do Euro. Por muita
incomodidade que resulta de o dizer, acho que os poucos e manifestos defensores
dessa posição veiculam uma posição de grande ingenuidade política. Pelo menos,
não os queria a governar este país. Não concebo neste momento que possa dissociar-se
os argumentos económicos e os políticos quando se discute a nossa posição face
ao futuro da União. O que não significa que me interrogue seriamente sobre as
mediações políticas necessárias para transformar o pensamento da elite das
declarações e das tomadas de posição em estratégias de governação europeia que rompam
o vazio de relacionamento com a cidadania europeia. Será a ameaça dos perigos externos
que o pode conseguir? Também entendo que não valerá a pena esperar por
personalidades políticas com a envergadura dos tais poucos que sonharam para
que muitos pudessem transformar esse sonho em esperança. Os tempos são de pequenas
vitórias. De aceitar que um conjunto de forças políticas de qualidade mediana,
juntas, travem a extrema-direita na Holanda como aconteceu. De esperar que um Emmanuel
Macron possa estancar a subida da Frente Nacional. Que o futuro resultado eleitoral
de Martin Schulz possa permitir empandeirar o ministro Schäuble. Que alguém de
mediana confiança possa conter o Grillo italiano na sua toca. E outras do tipo.
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