segunda-feira, 27 de março de 2017

MACRON E SCHULZ




(Circula por aí a ideia de que o futuro da União pode estar dependente de dois nomes que vão jogar a sua sorte em eleições próximas, o que em meu entender evidencia bem o estado de desespero a que o futuro Europeu chegou …)

A prestação de Emmanuel Macron e de Martin Schulz nas eleições francesas e alemãs que se avizinham não será seguramente indiferente em primeiro lugar ao futuro daqueles países.

Macron terá percebido, inteligência a sua, quão próximo estava o precipício de que o governo de Hollande rapidamente se abeirava, saltou atempadamente fora e, no meio de tanto nepotismo de fraca dimensão, aparece com o seu centrismo como o possível salvador da pátria, embora com vida que estará longe de ser fácil. A sua eventual eleição, mais provavelmente em segunda volta de maio do que em primeira de abril, para além de suster a ferocidade loira de Marine Le Pen, tenderá a provocar outras consequências. Mostrará que a eleição de Hollande foi uma espécie de últimas vontades do socialismo francês, que tenderá a hibernar durante algum tempo, para recompor gorduras, tão escanzelado ele se encontra. Provocará uma grande confusão na direita francesa que se vê obrigada a suportar o nepotismo de baixa estirpe de Fillon, já que Juppé não está para aí virado e o efeito Sarkozy deixou marcas que a direita não quer repetir. O cenário de ganho das Presidenciais por Macron é algo estranho pois o eventual novo Presidente não tem força partidária própria com quem interagir e vai mesmo ter de fugir à retórica do Presidente de todos os franceses. Não terá vida fácil e é irónico que algum do pensamento que vê nele uma solução para o relançamento europeu (como Wolfgang Münchau) se apresse a dizer que receia que o eventual novo Presidente não resista a um mar algo mais encapelado.

Quanto a Schulz espera-se dele não propriamente a vitória nas eleições alemãs mas sim a chance de proporcionar ao SPD uma votação que lhe permita sonhar com uma geringonça à alemã, ou então uma coligação mais equilibrada com a senhora Merkel que permita libertar o governo alemão e o Eurogrupo da presença do ministro Schäuble, não necessariamente do pensamento alemão mais profundo sobre os destinos da União.

Demos de barato que a primeira previsão se concretiza, Macron ao poder sem partido na Assembleia e no Senado, e que a segunda coloca Schulz com algum poder de revigoramento do SPD, mais provável a primeira do que a segunda. Neste suposto cenário, que tipo de eixo franco-alemão sairia desta reviravolta eleitoral parcial?

Não estou tão otimista quanto Münchau sobre os auspiciosos efeitos deste desejado refrescamento eleitoral sobre a clarificação dos destinos europeus. Em post anterior, procurei mostrar que o problema europeu está na dificuldade de, a partir das bases políticas nacionais existentes e do modo como as instituições europeias, parte da Comissão e seguramente o Eurogrupo, acolheram pensamento que se enraizou, ser possível gerar uma solução de aprofundamento democratizante da União. A captura das instituições europeias por pensamento económico e político unificado torna essas instituições frágeis para se opor à solução de desenho do futuro europeu com base no Conselho (nas capitais nacionais), nos parlamentos nacionais e algumas cedências ao Parlamento Europeu, ele próprio refém da falta de clarificação política diferenciadora. O espirito de Jean Monnet de grande esperança na força transformadora das instituições europeias parece comprometido pela captura de que as mesmas foram objeto, incapazes por isso de assegurar a mudança democrática. Isto explica que possa subscrever, não obviamente pelos mesmos motivos, as críticas que uma Le Pen faz a tais instituições.

O Economist dedicou na sua edição da passada sexta-feira um longo e fundamentado survey sobre a União Europeia e suas derivas e encruzilhadas nas vésperas do Reino Unido acionar o artigo 50º. Vale a pena lê-lo, embora se saia da sua leitura quase com a convicção de que a flexibilidade da União a diferentes velocidades vai constituir a saída inevitável. O Economist avança com vários argumentos para fundamentar a sua posição. É matéria para outros posts. Mas houve um que me despertou mais a atenção. A Europa é já um comboio estranho em que as carruagens circulam a diferentes velocidades e a máquina corre por interesse próprio: a Europa da União (a vinte e oito), a Europa do Euro (a dezoito), a Nato (a vinte e oito), a Europa de Schengen (a vinte e seis), a Europa da EEA (a trinta e um com a Croácia como membro provisório) e a Europa da União Aduaneira (a trinta e dois). Elementar meu caro Watson!

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