quinta-feira, 9 de março de 2017

AINDA A QUESTÃO DOS EXCEDENTES CORRENTES EXTERNOS




(A questão dos excedentes correntes externos é uma das tais questões em que o senso comum e a teoria económica divergem frequentemente, mas o pior é que essa divergência também acontece entre a ação política e a teoria económica, como aliás a análise do problema à escala mundial bem o evidencia…)

Embora a opinião pública e o senso comum não saibam o que foi o mercantilismo económico, a verdade é que a ideia de que os países devem prosseguir excedentes comerciais externos (da chamada balança corrente) é regra geral aceite pelo senso comum como uma boa política. No quadro de uma economia mundial equilibrada e sem guerras comerciais, a procura de sistemáticos excedentes da balança corrente equivale a uma ameaça de guerra comercial. A economia mundial está equilibrada como um todo, mas quando se declina esse equilíbrio global há regiões excedentárias e outras deficitárias, aliás a condição para que o saldo corrente do mundo esteja equilibrado. O problema não está em haver regiões excedentárias e deficitárias. O problema está em não haver alternância dessas posições. Entre outras razões, não pode ignorar-se que há economias em que o crescimento mais acelerado exige défices virtuosos, os que são devidos a incrementos de importação de equipamentos.

A economia mundial começa a revelar sinais de alguma rigidez na alternância de situações excedentárias e deficitárias. Assim, à posição deficitária essencialmente dos EUA, mas também do Reino Unido, embora em menor magnitude, tem correspondido a intensificação da posição excedentária do Japão (em aceleração), da China (em desaceleração) e da Alemanha (em aceleração). É particularmente relevante o crescimento do Japão e da Alemanha. Mas o Japão não está inserido em nenhuma lógica de união económica e monetária, ao passo que a Alemanha é o motor da zona Euro. O que é espantoso é que o excedente da balança corrente da China (previsão FMI para 2017 de 200.000 milhões de dólares é inferior ao excedente da balança corrente da Alemanha (previsão para 2017 de 291.700 milhões de dólares). Ponderando esses excedentes pela dimensão do país, rapidamente se chega à conclusão da dupla anomalia do excedente alemão, pelo facto de pertencer a uma união económica e monetária e pela sua desproporção face à dimensão do país).

Por isso, anotei o facto de ser significativamente mais grave a divergência entre a ação política alemã e a teoria económica do que quando ela acontece entre esta e o senso comum. Dito de outra maneira, quando se está inserido numa lógica de equilíbrios mundiais e sub-regionais, a simples pertença a esses contextos impõe limites ao comportamento dos agentes económicos e dos decisores políticos. Ou seja, ou os alemães começam a poupar menos ou pelo menos o investimento designadamente público tem de transformar recursos de poupança em investimento, sob pena de isso representar face aos seus congéneres da zona euro algo de inaceitável. Curiosamente, Trump e seus conselheiros já apontaram baterias para a insustentável posição alemã. Mas é no campo da zona euro que a penalização se faz mais sentir porque prejudica seriamente os esforços dos menos desenvolvidos para exportar, crescer e responder ao serviço da dívida.

Timothy Taylor, no Conversable Economist, tem uma boa intuição desse problema e da fonte de animosidade mundial que pode suscitar.

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