(A descontrolada e imprevisível política comercial externa
de Trump continua a fazer reviver o debate sobre a globalização,
particularmente os seus putativos efeitos sobre o emprego industrial,
desqualificado e semiqualificado, e sobre a desigualdade. A troca de
argumentos entre Paul Krugman e Bradford DeLong é uma excelente oportunidade
para compreender e em que medida o populismo económico de Trump tem ou não
força para agitar o debate.)
Relembremos
o contexto macroeconómico internacional. Depois de um longo processo de
aprofundamento da integração das trocas mundiais, medida pelo conhecido rácio
de “Exportações mundiais/PIB mundial” ou de “(Exportações + Importações
mundiais)/PIB mundial”, a segunda metade da década de 2000 trouxe-nos primeiro
uma queda desse rácio (explicada pela crise) e depois uma estagnação do mesmo
(esta algo mais complicada de explicar).
Quando os
economistas começavam a encontrar sinais de que as cadeias de valor mundiais
tinham subitamente parado de se alargar (com a consequente menor intensificação
de comércio mundial de produtos intermédios e do consequente fracionamento dos
sistemas produtivos pelo mundo), o populismo económico trouxe a estas matérias
uma estranha convergência. A esquerda mais radical nunca morreu de amores pela
globalização e sempre viu nela a fonte de todos males agravados do capitalismo
de hoje. A essa esquerda veio juntar-se o populismo de direita que começou a
reivindicar-se do velho nacionalismo económico, o oposto da globalização.
A reação dos
economistas com pensamento mais esclarecido sobre estas matérias, que nunca
foram panegíricos e escravos de uma posição acrítica sobre a globalização, não
tem sido homogénea. Por exemplo, Dani Rodrik um dos reformistas mais lúcidos da
globalização e da necessidade urgente de a reorientar já distinguiu entre mau e
bom populismo, oque não me deixou de surpreender. O que sabemos é que ninguém
desta gente mais esclarecida tem aconselhado Trump, sendo este neste momento
assessorado em matéria de política comercial externa por um vira-latas
qualquer, sem qualquer reflexão conhecida sobre o tema. Por isso, o debate
sobre esta matéria tem sido travado à margem de uma possível influência sobre a
governação de Trump, dado o posicionamento deste em ignorar e desvalorizar tudo
o que é pensamento consequente e estruturado sobre temas de governação. É assim
que estamos.
Depois de
algumas curtas reflexões sobre o tema, Krugman, embora não se entregando
propriamente à elaboração de um artigo do tipo do que escreveria para uma
revista científica de topo, escreveu recentemente um texto de acesso público,
designado de “Globalization: what did we miss?” (link aqui).
O artigo é uma tentativa de revisitar o aparente consenso dos anos 90 entre os
economistas sobre a globalização.
O consenso a
que Krugman se refere é o da conclusão praticamente generalizada entre os
estudos empíricos então disponíveis que, num quadro de importações de
manufaturados das economias em desenvolvimento a oscilar em torno dos 2% do PIB
das economias avançadas, os efeitos da globalização económica sobre os salários
dos trabalhadores destas últimas eram senão residuais pelo menos reduzidos.
Krugman procura integrar nesta reflexão os efeitos do que alguns chamaram a
hiperglobalização, e outros de reglobalização, observada nos anos 90, que é
também indissociável do incremento e desregulação da globalização financeira. É
verdade que, na década de 2010, as exportações de manufaturados provenientes de
economias em desenvolvimento atingia já praticamente os 5% do PIB mundial,
consequentemente já longe dos 2% do PIB das economias avançadas. Não se ignora
entretanto que o comércio sul-sul também aumentou e, por isso, nem todo o
aumento de exportações de manufaturados é uma ameaça sobre o emprego e os
salários dos trabalhadores menos qualificados e semiqualificados nas economias
avançadas. Não deve também ignorar-se que nas exportações de manufaturados de
economias em desenvolvimento não há apenas incorporação de trabalho desqualificado.
Há nelas também trabalho qualificado.
A questão
mais controversa (e como o primarismo trumpiano abomina estas controvérsias!)
diz respeito à influência que o défice comercial externo (essencialmente
determinado pela importação de manufaturados) influencia a perda de emprego.
Mesmo tendo em conta que as importações de manufaturados tendem a gerar
serviços (e portanto novos empregos) de suporte, a estimativa de Krugman é que
na economia americana, entre 1997 e 2005, o agravamento do défice comercial
explica a queda de 1,5 pontos percentuais no rácio “Produto indústria
transformadora/PIB) e, por essa via, mais de metade da queda observada de
emprego manufatureiro. Krugman aposta no seguinte novo consenso: “Os défices comerciais explicam apenas uma pequena parte da
mudança de longo prazo para uma economia de serviços. Mas o crescimento das
importações provocou de facto um choque significativo em alguns trabalhadores
americanos o que pode ter ajudado a determinar o recuo da globalização”.
É este um
consenso estável e isento de dúvidas ou de necessidades de aprofundamento e
afinamento de resultados?
Estou com os
que pensam que o tema de um novo consenso não pode ser tão simplisticamente
construído. A haver um consenso é que um retorno indiscriminado ao
protecionismo não escrutinado será pior a emenda do que o soneto.
É aqui que
tem interesse ter em conta as posições de Brad DeLong (link aqui).
DeLong tem
um argumento de grande alcance quando refere que temos de ter atenção a uma
evidência histórica: as categorias “economias emergentes” e “norte” não são
estáticas: “O Japão, a Espanha, a Itália, a Irlanda eram países de baixos
salários nos anos 70”. Nesse contexto, segundo DeLong os salários relativos dos
países que exportavam manufaturados para os EUA estavam a crescer a um ritmo
superior ao da entrada de países de baixos salários na exportação desses
produtos para os EUA. Ou seja, o trabalhador americano típico enfrentava em
meados de 90 uma menor concorrência de salários baixos do que nos anos 70, o
que vem baralhar em alguma medida o argumento do pretenso novo consenso.
DeLong é
particularmente crítico das falhas de gestão e tecnológicas que terão sido
observadas em regiões como Detroit e Pittsburgh e das falhas de governação
(Reagan e Bush segundo) em não intervir na regulação de efeitos locais da
globalização, favorecendo a transição para outros empregos e ocupações.
Mas para uma
completa reavaliação da pretensa validade do consenso acima enunciado, teremos
de revisitar com pormenor o choque das importações chinesas e com essa revisita
a literatura incontornável sobre esse assunto, os estudos de David Autor e sua
equipa. Mas isso é matéria para outro post.
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