(Os resultados dos círculos uninominais em Itália)
(O rescaldo das eleições italianas e dos seus resultados
mostra bem como a avaliação de alguns analistas que viram a relativa acalmia
dos mercados na antecâmara do dilúvio eleitoral como um indicador de que a
situação estava controlada foi precipitada. Não, não estava e agora
os diferentes cenários que podem, racionalmente, ser antecipados, apontam para
a incerteza dinâmica mais profunda.
De facto, houve quem
pensasse que os mercados estavam a viver confortavelmente o pré-dilúvio, não só
porque o BCE de Draghi (um italiano influente) faria “tudo o que fosse
necessário”, mas também porque lá bem no fundo se admitia que uma coligação
entre o PD de Renzi e a Forza Itália de Berlusconi, sobretudo com Trajani com
as rédeas da governação, aguentaria os cavalos, não se sabe por quanto tempo.
Mas todos sabemos que os
italianos são gente indisciplinada e com uma propensão intrínseca para o voto
de protesto. E tantas vezes o cântaro ameaçou partir-se, que partiu mesmo e com
estrondo. Quase 60% de votos de protesto antissistema, eurocético e quase a
roçar a possibilidade de gerar um dilúvio europeu é obra, uma espécie de linha
mais grossa e negra de uma crónica anunciada e já em movimento. Além disso, são
resultados muito consistentes a vários níveis: (i) similaridade entre a
distribuição dos votos uninominais e partidários; (ii) similaridade entre a
distribuição de votos para o Senado e para a Câmara (Parlamento); (iii) e uma
geografia eleitoral que não engana ninguém, cristalina, já objeto do meu post anterior. A fábula do Berlusconi
redentor e tampão (salvo seja) do populismo mais perigoso caiu em desgraça.
Aquela retirada pela porta baixa da mesa de voto quando a ativista feminista o
confrontou de seios descobertos anunciou para mim uma espécie de saída de cena
sucumbido ao peso da onda em curso.
Enquanto Renzi irá
carpir as mágoas e tentar a sua sobrevivência política, equacionam-se as
alternativas de governabilidade. Recomendo-vos a leitura atenta de um artigo do
Financial Times, que representa para mim a mais completa e interessante busca
dos cenários possíveis, procurando antecipar o racional do Presidente
Mattarella (artigo de James Politi, com link aqui).
O FT considera quatro
cenários possíveis, cada qual com mais escolhos. Desconheço qual poderá ser o
poder de enforcement do Presidente ou
se, pelo contrário, a sua missão está já minada pelos 60% de voto de protesto
antissistémico.
O primeiro cenário abrange a coligação ou acordo de governo entre a
vidairada populista e de extrema-direita: 5 Estrelas + Lega + Fratelli d’Itália. Um saco
de gatos cada qual com as garras mais afiadas e mais fome de sangue. Neste
cenário, devemos distinguir uma aproximação entre as cúpulas dirigentes (o
cheiro do poder permite muita coisa) do confronto aberto entre as bases, com
incidências territoriais marcantes.
O segundo cenário colocaria o 5 Estrelas fora do poder (nos tempos
iniciais do movimento talvez não o desdenhasse), mas o seu líder atual Di Maio
tem o olfato muito apurado. O arranjo seria: Lega + Partido Democrático. Muito
sinceramente, se o PD está moribundo, poderia começar a encomendar o funeral.
O terceiro cenário, que Politi
designa de viragem à esquerda, obrigaria a que o 5 Estrelas se inclinasse para
a esquerda (um populismo de esquerda não é de todo impossível. O arranjinho
envolveria: 5
Estrelas + Partido Democrático + Liberi Uguali (de Massimo Alema,
Bersani e do juiz Pietro Grasso). O 5 Estrelas está longe de ser um PODEMOS.
Não acredito nesta possibilidade. O lamber das feridas do PD será incompatível
com uma participação na governação.
Finalmente, poderíamos
ter um cenário de tudo a monte e fé no
diabo. Todos ao molhe.
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