domingo, 4 de março de 2018

O PESSIMISMO DE JFA




(O euro continua atravessado na garganta do sempre atento João Ferreira do Amaral, talvez o único economista com moral para o combater, mas a cujas posições continua a faltar o pertinente enquadramento político. Talvez seja controverso, mas conviria refletir por contraponto nas palavras da colíder Alice Weidel da AFD, extrema-direita alemã: o Euro tem que ser eliminado. Está condenado ao fracasso”.

As posições do Professor João Ferreira do Amaral (JFA) sobre o Euro são amplamente conhecidas. Embora discorde, leio sempre com atenção as reflexões de JFA sobre o tema, pois talvez não haja outro economista em Portugal com tanto fundamento para se insurgir contra a nossa adesão à moeda única, atendendo às posições que então assumiu num contexto em que não era fácil manifestar essas reservas. A força da onda na altura era demasiado forte e JFA não deixou de ter coragem para a contrariar. Merece por isso atenção.

A entrevista ao suplemento de Economia do Expresso deste fim-de-semana prolonga o pessimismo do economista, sobejamente conhecido, com a pequena novidade do futuro, senão negro pelo menos cinzento, dos próximos 20 anos ser articulado com a estagnação económica dos últimos 20. A ligar esses dois tempos, o da estagnação e o do pessimismo futuro está, como não poderia deixar de ser nas posições de JFA, o pecado original do Euro.

Obviamente mais preocupado com o peso dos 126% da dívida pública no PIB e com as exigências para a sua diminuição para os valores de Tratado de 60% do que com os do défice estrutural, JFA não tem evoluído nem sofisticado a sua argumentação e tem permanecido fiel à valoração sombria da camisa de forças que, em seu entender, as regras do Tratado colocam a uma economia com as necessidades de mudança estrutural para o crescimento como as que Portugal apresenta.

Mas continuo a pensar que falta a JFA um contrafactual consistente para demonstrar que a estagnação económica dos últimos 20 anos se deve, determinantemente, ao jugo do Euro. Continuo a pensar que, primeiro, há fatores organizacionais e institucionais mais relevantes para explicar a estagnação económica do que o jugo do Euro. Para além disso, a estagnação económica dos últimos 20 anos não nos deve fazer ignorar algumas mudanças estruturais entretanto observadas, por exemplo, na intensidade tecnológica das exportações e no próprio aumento do peso das exportações no PIB que constitui em si uma importante mudança estrutural. Segundo, JFA certamente não ignora que a evolução desmedida para um modelo de não transacionáveis e peso das infraestruturas de construção e do imobiliário não pode ser honestamente ligada ao peso do Euro, mas antes a um desvio de política económica que um governo de Sócrates, bem menos encandeado pelas luzes da ribalta financeira do que a sua prestação, poderia atempadamente ter evitado. E não é correto associar os desvarios da política austeritária ao edifício do Euro. Esse mesmo edifício poderia ter acomodado políticas de ajustamento bem mais atentas não só aos constrangimentos de mercado externo, mas também aos seus custos sociais.

Já começo a ficar mais aberto a um diálogo mais construtivo quando JFA critica o projeto do Euro por ele se apresentar como uma fuga para a frente, focado na criação de um “Estado europeu usando a economia e a moeda”, condenado a não dar resultado. Aqui há matéria para conversa, mas que em si não conduzirá necessariamente, em meu entender, a uma saída do Euro.

Mas estamos num domínio em que não pode deixar de haver um enquadramento e um alinhamento político para o conseguir. E aqui o pensamento de JFA continua a ser um vazio. Aliás, começa a ter companhias algo indesejáveis, que me perdoe o meu amigo Jorge Bateira, também um cruzado anto-Euro. Por estes dias, a personagem Alice Weidel que co-lidera a formação de extrema-direita alemã, AFD, com larga representação no parlamento alemão, veio a público com uma intervenção em que se misturava a guerra ao islão político, a redução do projeto europeu e um mundo ideal encerrado entre fronteiras. Nesse discurso, o Euro é apresentado como algo a ser eliminado e condenado ao fracasso.

Com estas companhias potenciais, continuo a não acreditar no contrafactual ao estado da arte atual, ou seja, nas pretensas independência e autonomia monetária, e obviamente no complemento das desvalorizações nominais competitivas de um novo escudo, em que JFA se apoia.

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