(O euro continua atravessado na garganta do sempre atento
João Ferreira do Amaral, talvez o único economista com moral para o combater,
mas a cujas posições continua a faltar o pertinente enquadramento político.
Talvez seja controverso, mas conviria refletir por contraponto nas palavras da colíder
Alice Weidel da AFD, extrema-direita alemã: o
Euro tem que ser eliminado. Está condenado ao fracasso”.
As posições do Professor
João Ferreira do Amaral (JFA) sobre o Euro são amplamente conhecidas. Embora
discorde, leio sempre com atenção as reflexões de JFA sobre o tema, pois talvez
não haja outro economista em Portugal com tanto fundamento para se insurgir
contra a nossa adesão à moeda única, atendendo às posições que então assumiu
num contexto em que não era fácil manifestar essas reservas. A força da onda na
altura era demasiado forte e JFA não deixou de ter coragem para a contrariar. Merece
por isso atenção.
A entrevista ao suplemento
de Economia do Expresso deste fim-de-semana prolonga o pessimismo do
economista, sobejamente conhecido, com a pequena novidade do futuro, senão
negro pelo menos cinzento, dos próximos 20 anos ser articulado com a estagnação
económica dos últimos 20. A ligar esses dois tempos, o da estagnação e o do
pessimismo futuro está, como não poderia deixar de ser nas posições de JFA, o
pecado original do Euro.
Obviamente mais preocupado
com o peso dos 126% da dívida pública no PIB e com as exigências para a sua
diminuição para os valores de Tratado de 60% do que com os do défice estrutural,
JFA não tem evoluído nem sofisticado a sua argumentação e tem permanecido fiel à
valoração sombria da camisa de forças que, em seu entender, as regras do Tratado
colocam a uma economia com as necessidades de mudança estrutural para o crescimento
como as que Portugal apresenta.
Mas continuo a pensar
que falta a JFA um contrafactual consistente para demonstrar que a estagnação
económica dos últimos 20 anos se deve, determinantemente, ao jugo do Euro. Continuo
a pensar que, primeiro, há fatores organizacionais e institucionais mais
relevantes para explicar a estagnação económica do que o jugo do Euro. Para além
disso, a estagnação económica dos últimos 20 anos não nos deve fazer ignorar
algumas mudanças estruturais entretanto observadas, por exemplo, na intensidade
tecnológica das exportações e no próprio aumento do peso das exportações no PIB
que constitui em si uma importante mudança estrutural. Segundo, JFA certamente não
ignora que a evolução desmedida para um modelo de não transacionáveis e peso das
infraestruturas de construção e do imobiliário não pode ser honestamente ligada
ao peso do Euro, mas antes a um desvio de política económica que um governo de
Sócrates, bem menos encandeado pelas luzes da ribalta financeira do que a sua
prestação, poderia atempadamente ter evitado. E não é correto associar os desvarios
da política austeritária ao edifício do Euro. Esse mesmo edifício poderia ter
acomodado políticas de ajustamento bem mais atentas não só aos constrangimentos
de mercado externo, mas também aos seus custos sociais.
Já começo a ficar mais
aberto a um diálogo mais construtivo quando JFA critica o projeto do Euro por
ele se apresentar como uma fuga para a frente, focado na criação de um “Estado
europeu usando a economia e a moeda”, condenado a não dar resultado. Aqui há
matéria para conversa, mas que em si não conduzirá necessariamente, em meu
entender, a uma saída do Euro.
Mas estamos num domínio em
que não pode deixar de haver um enquadramento e um alinhamento político para o
conseguir. E aqui o pensamento de JFA continua a ser um vazio. Aliás, começa a
ter companhias algo indesejáveis, que me perdoe o meu amigo Jorge Bateira, também
um cruzado anto-Euro. Por estes dias, a personagem Alice Weidel que co-lidera a
formação de extrema-direita alemã, AFD, com larga representação no parlamento
alemão, veio a público com uma intervenção em que se misturava a guerra ao islão
político, a redução do projeto europeu e um mundo ideal encerrado entre
fronteiras. Nesse discurso, o Euro é apresentado como algo a ser eliminado e
condenado ao fracasso.
Com estas companhias potenciais,
continuo a não acreditar no contrafactual ao estado da arte atual, ou seja, nas
pretensas independência e autonomia monetária, e obviamente no complemento das
desvalorizações nominais competitivas de um novo escudo, em que JFA se apoia.
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