sábado, 31 de março de 2018

ARAMBURU



(Nos últimos tempos tenho tido alguma prática iniciática de literatura espanhola lida em castelhano e não em tradução para português. Comecei pelo fresco que o Pátria de Fernando Aramburu representa e menciono-o quando acaba de ser publicada a versão em português. Em simultâneo dada a gigantesca dimensão do Pátria, estou neste momento mergulhado no recentíssimo Autoretrato sin Mí que recomendo.)

Tenho de confessar que é temerário avançar para uma prática iniciática de leitura do castelhano original e fazê-lo através do Pátria de Fernando Aramburu reforça essa temeridade. Mas a escrita de Aramburu é tão envolvente que estou disposto a ver o que isto dá.

Agrada-me sobretudo a visão da memória distanciada conseguida através de uma longa estadia na Alemanha, não sei em que cidade ou região, creio que fruto do casamento do escritor. O Autoretrato sin mí é uma espécie de ajuste de contas consigo próprio, longe das suas origens, que considero fundamental para compreender toda a sua obra publicada pela Tusquets que já vai longa e largamente desconhecida em Portugal.

A título de exemplo de um prosa de rara sensibilidade, deixo-vos um pequeno excerto de um dos pequenos textos da obra, dedicado a uma maçã, companheira das manhãs de trabalho do escritor, em castelhano pois creio que a tradução não profissional para português correria o risco de suprimir o essencial do tom deste texto:

Tomo la manzana, de tamaño proporcionado a la mano, y la muerdo en su sabor crujiente. El rito se repite cada día, mas o menos a la misma hora, por motivos que nada tienem que ver com la nutrición. En todas ellas percebo, antes que su sabor, uma dissimulada resistência a darse. Todo lo contrario de la naranja que, desnuda de su cáscara, se entrega al sacrifício jugosa desde el comienzo. O de la ciruela, con que conviene tener cuidado para que, en su afán de atravessar entera y rápida la boca, nos nos atore com el hueso de la garganta. La manzana, en cambio, tiene sus puntas de orgullo y es más hermética, más callada en sus aromas, que no le faltan cuando quiere. Ofendida por el mordisco, cortada o golpeada, la manzana ya non quiere sino desistir en su existência de manzana, y oxidarse  y corromperse cuanto antes”.

Uma maravilha.

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