(Nos últimos tempos tenho tido alguma prática iniciática de
literatura espanhola lida em castelhano e não em tradução para português. Comecei
pelo fresco que o Pátria de Fernando Aramburu representa e menciono-o quando
acaba de ser publicada a versão em português. Em simultâneo dada a gigantesca
dimensão do Pátria, estou neste momento mergulhado no recentíssimo Autoretrato
sin Mí que recomendo.)
Tenho de
confessar que é temerário avançar para uma prática iniciática de leitura do castelhano
original e fazê-lo através do Pátria de Fernando Aramburu reforça essa temeridade.
Mas a escrita de Aramburu é tão envolvente que estou disposto a ver o que isto
dá.
Agrada-me
sobretudo a visão da memória distanciada conseguida através de uma longa
estadia na Alemanha, não sei em que cidade ou região, creio que fruto do casamento
do escritor. O Autoretrato sin mí é uma espécie de ajuste de contas consigo próprio,
longe das suas origens, que considero fundamental para compreender toda a sua
obra publicada pela Tusquets que já vai longa e largamente desconhecida em Portugal.
A título de
exemplo de um prosa de rara sensibilidade, deixo-vos um pequeno excerto de um
dos pequenos textos da obra, dedicado a uma maçã, companheira das manhãs de
trabalho do escritor, em castelhano pois creio que a tradução não profissional
para português correria o risco de suprimir o essencial do tom deste texto:
“Tomo la manzana, de tamaño proporcionado a la mano, y la
muerdo en su sabor crujiente. El rito se repite cada día, mas o menos a la
misma hora, por motivos que nada tienem que ver com la nutrición. En todas ellas
percebo, antes que su sabor, uma dissimulada resistência a darse. Todo lo contrario
de la naranja que, desnuda de su cáscara, se entrega al sacrifício jugosa desde
el comienzo. O de la ciruela, con que conviene tener cuidado para que, en su afán
de atravessar entera y rápida la boca, nos nos atore com el hueso de la
garganta. La manzana, en cambio, tiene sus puntas de orgullo y es más hermética,
más callada en sus aromas, que no le faltan cuando quiere. Ofendida por el
mordisco, cortada o golpeada, la manzana ya non quiere sino desistir en su existência
de manzana, y oxidarse y corromperse cuanto
antes”.
Uma
maravilha.
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