(Para quem conhece de perto os fundamentos do pensar a
floresta do Professor Américo Mendes, a carta aberta a quem tem o dever de conduzir
os destinos do país não traz substancialmente nada de novo. Mas a sua redação é
notável de clareza para um modelo de política pública. É na correta
perceção destes fundamentos que os golpes de asa da governação são possíveis)
A carta
aberta a Marcelo e a Costa que o amigo Professor Américo Mendes (Universidade
Católica – Porto) escreve no Público de hoje (link aqui) sobre a reforma da floresta é um
documento precioso de rigor, frontalidade e de fundamentos para uma viragem na
política pública. Os argumentos e fundamentos que a orientam não são novos para
quem conhece o pensamento do AM e o tem ouvido e lido sistematicamente nas
diferentes oportunidades e contextos em que tem ele tido a oportunidade de o
fazer. É um pensamento de quem tem os conceitos apurados, a abordagem rigorosa
e sobretudo o conhecimento do terreno em matéria florestal (liderança de uma
associação de produtores florestais). Não é por isso a posição de quem vê na
floresta apenas um objeto de investigação. É mais do que isso.
A carta
aberta é relevante pois coloca aos dois personagens políticos portugueses de
momento algo que provavelmente os seus ministros e assessores mais próximos não
têm tido a inteligência ou a abertura para colocar, assim, preto no branco, sem
nuances. Não estou a insinuar que as duas personalidades políticas de momento
estejam rodeadas de gente especializada em emitir os fundamentos que os masters
pretendem ouvir. Não, longe disso. Mas interrogo-me se já passou pela secretária
dos ditos algo de tão concreto e incisivo.
Quatro pontos
fundamentais:
- Só 2% da floresta nacional é pública e mesmo está desorganizada e não devidamente arrumada; ou seja, 98% da floresta depende de comportamentos e investimentos estritamente individuais;
- Neste contexto, a governação não pode ignorar os incentivos que decorrem da governação e a sua influência nos tais comportamentos e investimentos individuais;
- O nível associativo é por demais relevante para criar dimensões de racionalidade coletiva;
- A floresta é já há algum tempo um caso típico de atividade em que a rendibilidade privada é negativa e a rendibilidade social positiva, ou seja as externalidades que a floresta gera são manifestamente positivas.
Perante este
contexto incontornável, a governação tem:
- Ignorado e desvalorizado o seu papel na promoção e garantia das externalidades sociais positivas, não investindo nessa medida;
- Legislado como se a proporção não fosse 98% privado e 2% público, mas antes 98% público e 2% privado;
- Menosprezado as especificidades territoriais;
- Fugido a sete pés de uma gestão adequada dos incentivos para os produtores florestais, como se para um governo socialista ou de esquerda falar de incentivos fosse pecado ou traição a qualquer coisa que não me ocorre qual possa ser;
- Adiado sistematicamente dotar o associativismo florestal dos apoios necessários para que a racionalidade coletiva se imponha, agravado por não considerar as especificidades territoriais e as configurações e potencial diferenciados desse mesmo associativismo.
A carta de
Américo Mendes fornece elementos abundantes destas falhas de governação e por
isso, deve ser lida.
Algum
assessor ou ministro tem consciência clara desta realidade?
Sinceramente
e sem desprimor para ninguém, duvido.
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