(A tentação de fazer de Matteo Renzi uma vítima dada a
força avassaladora de protesto dos movimentos populistas em Itália não deve
fazer esquecer erros crassos na ascensão política do ainda líder do Partido
Democrático, sobretudo na perspetiva da mudança possível de uma
sociedade como a italiana nos tempos de hoje).
“Quis ser um Macron e
sai como um Micron”. Poderíamos estar a falar da síntese política de um
jornalista mais imaginativo. Mas não. O chiste deve-se a Lapo Elkann, um
personagem neto de Giovanni Agnelli. A frase é provocatória e talvez seja
redutora do ponto de vista da personalidade de Renzi e do projeto de reforma
política que quis protagonizar. Mas merece atenção, agora que o Partido
Democrático, depois de não ter atingido sequer 20% nas eleições de domingo,
está a ser pressionado para aceitar uma solução de governo com o 5 Estrelas e o
Libere Uguali (dissidentes do PD em rota de colisão com Renzi).
A ascensão de Renzi
concretiza-se a partir de uma bem-sucedida experiência autárquica na
cidade-símbolo de Florença na Toscana dos postais magníficos. Assim como o
síndrome do turista acidental nos conduz frequentemente a visões distorcidas e
magnânimas dos locais e cidades que visitamos (sou bastante propenso a essas
distorções de pura fruição com dinheiro no bolso), também a ideia de tomar
Florença pela Itália é temerária. Mesmo na qualidade de turista acidental, foi
fácil aperceber-me, do Norte ao Sul, de uma diversidade de posturas e
posicionamentos incompatíveis com uma projeção do país a partir do símbolo
florentino.
O reconhecimento
internacional que foi prestado à ascensão de Renzi explica-se pela sua
temerária vontade de modernizar a vida política italiana, combatendo os seus
vícios maiores, agudizados com a lenta agonia da democracia cristã italiana que
governou durante longo tempo o país no quadro de uma permanente instabilidade e
relações pouco confiáveis. Talvez inebriado por esse reconhecimento e pelos
resultados nas Europeias, em que obteve para o PD uns surpreendentes 40%, o
grande erro de Renzi terá sido o de pessoalizar o resultado do referendo
constitucional como uma forma de plebiscito da sua própria presença política. E
temos de convir que um referendo que previa, nada mais, nada menos, do que
suprimir as competências do Senado e fixar uma lei eleitoral com segunda volta
no coração de um sistema parlamentar como o italiano, representa bem o
desconhecimento do peso da história. De facto, o complexo sistema político
italiano não surgiu do acaso, ante representou na altura o equilíbrio possível
e daí a representação em duas Câmaras, a camera
(parlamento) e o senado.
O interessante artigo de
Ismael Monzon no El Español, que nos serve de
guião (ver link aqui) situa várias opiniões sobre o ainda líder do PD, entre as
quais se conta particularmente o erro do ano e meio de vazio que Renzi aceitou
trilhar desde a derrota pessoal no referendo. Já é discutível que a não criação
de um partido novo (à Macron) possa ser entendida como um erro político
responsável pelo desaire de domingo. O Partido Democrático, força política que
se apresenta como de centro-esquerda, resulta de uma longa sinuosa caminhada e
evolução a partir do Partido Comunista Italiano, mas todos nos recordamos do
elevadíssimo nível de reflexão política e cultural que se libertava daquelas
hostes. Renzi, na primeira metade dos 40, é ainda um político muito novo e pode,
por isso, refinar e tornar mais consistente o seu o projeto de modernização
económica e política da Itália, emergindo aí a hipótese de um novo partido, na
senda de Macron. Mas os tempos não estão para esperanças desmesuradas em
ascensões meteóricas como a de Macron, por mais promissoras que elas possam ser
em algumas dimensões. Os tempos são de usura rápida para estes movimentos. A
queda vertiginosa da popularidade de Macron em França assim o ilustra. O
problema central são as condições de transição e de mudança do estabelecido que
tais projetos exigem, sejam os vícios italianos ou a rigidez institucional
francesa. As mudanças tenderão sempre a ser produzidas nas margens da
transformação possível, mais no plano incremental e de filigrana do que no
plano disruptivo. A não ser que haja espaço para as grandes catarses e vá lá
saber-se se a Itália não está na antecâmara de uma grande catarse, uma espécie
de mudança de ondas longas do sistema político. A metáfora de Paulo Rangel
(link aqui), segundo a qual a Itália deve ser vista mais como um laboratório do
que como um museu, parece-me pertinente.
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