segunda-feira, 26 de março de 2018

A DETENÇÃO DE PUIGDEMONT E A REAL DIMENSÃO DAS COISAS



(A rocambolesca detenção de Puigdemont numa estação de serviço alemã próxima da fronteira com a Dinamarca assinala praticamente o fim da irreversível impossibilidade do processo catalão e não vai ser a violência das ruas de Barcelona que demonstrará o contrário. Mas a evidência dessa impossibilidade não significa o fim do impasse político em Espanha, longe disso.)

Não vou entrar na discussão de saber se a detenção de Puigdemont se deve ou não a uma errada avaliação das condições de segurança na viagem da Bélgica para a Finlândia e volta. Nos últimos dias, pressentia-se que o líder independentista jogava na elevada probabilidade de novas eleições, para as quais se preparava para de novo fazer campanha à distância. Talvez não tivesse devidamente avaliado a possibilidade do juiz Llarena emitir de novo o mandato de detenção a nível internacional, facto que objetivamente lhe reduziria drasticamente a sua mobilidade em território europeu, mesmo que explorando as diferenças legais entre os países quanto ao delito em que Puigdemont está envolvido. A sua detenção numa prosaica estação de serviço alemã, pouco depois de deixar território dinamarquês, põe fim a uma representação desproporcionada e distorcida das margens de manobra do independentismo, qualquer que seja a decisão das autoridades alemãs quanto à sua possível extradição para Espanha.

Puigdemont nunca se livrará da célebre afirmação que proferiu de que “entre ser presidente ou presidiário preferia ser presidente”. Detido para interrogatório numa prisão alemã, Puigdemont nunca escapará ao confronto com a contrária posição assumida pelo líder da Esquerda Republicana Oriol Junqueras que, entre a fuga ou a detenção em Espanha, preferiu esta última, fazendo passar para a justiça e governo espanhóis o ónus de ter na prisão um líder independentista. Alguém truculento e impiedoso como Xosé Luís Barreiro Rivas não o poderia ignorar (Voz de Galicia, aqui), referindo-se à detenção de Puigdemont: “um vilão fugitivo, caçado como um incauto e desprevenido, que contrasta com um homem de corpo inteiro, como Junqueras, cujos evidentes erros e obcecadas convicções em nada o rebaixam. Porque o tempo, como é conhecido, põe cada um no seu lugar”.

Há personagens da história que estão condenadas a passagens desproporcionadas pelos seus meandros. A pretensão de comparação com outros líderes catalães no exílio de outros tempos como Companys (também ele detido por alemães, nazis de então, e extraditado para Espanha para fuzilamento pelos franquistas) sempre soou a exagero.

Paradoxalmente, é este regresso à perceção da irreversível impossibilidade do processo catalão que vai exacerbar ânimos, multiplicar a violência de rua e prolongar o irrealismo dos seus líderes não presos, com expressão máxima no atual presidente do parlamento recentemente eleito Roger Torrent. A sua declaração oficial e solene após a detenção de Puigdemont é um monumento de prosápia sobre o pretenso poder absoluto do presidente agora detido. Quer isto significar que o impasse catalão continua e agora com a evidente articulação com o impasse político espanhol. O tempo das coisas pertence agora ao juiz do Supremo Llarena e não se percebe como é que o tempo da política poderá a curto prazo sobrepor-se ao da justiça.

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