(O pior confirmou-se na vertigem populista para todos os
gostos em Itália. Até o voto desesperado do mal o menos, Berlusconi que contenha
a deriva, falhou redondamente. Não se antecipando qual o pior cenário
possível face a estes resultados, alguns ainda imaginam um golpe de magia do presidente
Mattarella, mas as cartas lançadas são esclarecedoras.
O mapa que descreve a
territorialização dos resultados eleitorais de ontem em Itália é sinistro e não
é apenas porque a “sinistra” se afundou, com um espalhanço dos antigos, com
Renzi nem na derrota a perder aquela frívola arrogância de quem quis ganhar na
secretaria de uma lei eleitoral e se viu ultrapassado pelos acontecimentos. As
distribuições para o Parlamento e para o Senado não são fundamentalmente
distintas, pelo que me dispenso de explorar essa nuance.
A norte predomina o azul
da direita e extrema-direita, pois chamar a isto centro-direita já é em si um
sinal revelador do tempo italiano de hoje, com a Forza Itália a perder o pé
entre muros no regresso de Berlusconi. Mais a sul, no mundo dos deserdados e
dos subsidiados, predomina o 5 Estrelas. Na Itália do centro, ou antes já em partes
quase residuais da Itália do centro, resiste o Partido Democrático (a “sinistra”
putativamente social-democrata de Renzi, agora com saída de sendeiro). Mas a
resistência em territórios como Florença não representa a Itália profunda. Todos
os dissidentes do PD, gente de porte e honestidade, foram esmagados eleitoralmemte,
a começar por Massimo d’Alema ex-líder do PD, aniquilado no seu círculo
uninominal e com o seu Libere e Iguali a não chegar aos 4%.
Mais de 50% do
eleitorado emergiu a apoiar as diferentes formas de populismo, do fascista ou fascizante
ao anti-sistémico folclore do 5 Estrelas. Não sei avaliar se a Liga e o 5
Estrelas podem num golpe de rins de última hora juntar os trapinhos, numa
aliança de governo que seria tenebrosa. É difícil imaginar que raio de solução governativa
vai o presidente Mattarella impulsionar, ele que, europeísta convicto, dizem as
crónicas, também é um derrotado atendendo às ondas de populismo antieuropeu que
as forças do 5 Estrelas e da Lega têm vindo a cavalgar. Se não fora o ensinamento
trágico da história, atrever-me-ia a dizer que será preferível termos gente
desta laia a comprometer-se com a governação do que a trabalhar na sombra. Mas
a história aconselha-nos cautela e da mais rigorosa. É que não podemos ignorar
a hipótese de numa onda de vitória a governação oportunista criar a curto prazo
um caldo de teor autoritário, com profundas e trágicas implicações para algumas
minorias, sobretudo de população imigrada, entregue à sua sorte.
A Itália nunca foi uma
nação coerente e as tensões da desagregação sempre estiveram latentes, mesmo
depois da Itália do centro e dos famosos distritos industriais ter introduzido alguma
heterogeneidade na tensão norte-sul. Mas, a partir de ontem, com a direita e
extrema-direita implantada no norte mais rico e elitista e o populismo antissistema
instalado entre o desemprego e os subsidiados, numa tendência progressiva de comer
o espaço residual da social-democracia italiana, já não sei o que chamar a esta
tensão.
Entre um 5 Estrelas que
quer governar por se tratar do partido mais votado e a direita e extrema-direita
que o quer também atendendo a que constitui a coligação com mais votos, a arte
da política tem de subir bem alto para garantir uma possível governabilidade,
que será sempre desconfortável.
O que poderá fazer
Mattarella? Levar tudo para prolongamento?
Para além do choque que
o projeto europeu experimenta, tiro na terceira economia da zona Euro, interessa-me
sobretudo retirar algumas conclusões do afundamento do Partido Democrático,
inquirindo sobre as suas causas. E como muitas vezes acontece há sempre um
inconveniente contrafactual que perturba tudo isto. Teria sido diferente se Renzi
não tivesse embarcado na estupidez do referendo plebiscitário a propósito da
sua reforma (golpe?) constitucional?
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