(Reino Unido - Produto potencial (encarnado) e produto efetivo (azul)
(Embora pareça um assunto excessivamente técnico, o
conceito de output gap ou desvio de
produto é bem mais importante do que parece para a vida económica corrente,
pois está na base de medidas de políticas económica e monetária que afetam a
vida de muita gente. Por isso, toda a controvérsia que se abata
sobre conceito em si e sobre a sua métrica é matéria relevante e não
academicamente exotérica.)
Comecemos
por uma apresentação despretensiosa para não economistas do conceito. Para
qualquer ano de referência (um período porque o produto é um fluxo e precisa de
tempo para ser gerado), podemos falar de dois produtos (PIB) para uma dada
economia. O produto efetivo e o produto potencial. O primeiro não tem que
saber, é o produto efetivamente gerado nesse período, medido por qualquer um
dos métodos disponíveis na contabilidade nacional. O produto potencial
corresponde ao produto máximo que a economia poderá nesse mesmo período gerar
acaso todos os recursos fossem plenamente aproveitados. Numa linguagem de curto
e longo prazo, o produto efetivo é o produto de curto prazo que a economia gera
com todas as imperfeições de utilização de recursos. O produto potencial é o
que corresponde à evolução tendencial da economia no longo prazo e há
economistas que lhe atribuem uma outra característica, seria o produto com
capacidade para manter a inflação constante. Ambos têm problemas de medida. O
produto efetivo tem os problemas conhecido de medida do produto, já que nem
todas as componentes do mesmo correspondem a grandezas com preços de mercado.
Por exemplo, pode ser necessário estimar o autoconsumo das famílias. São
problemas de medida menores do que os do produto potencial. Medir uma tendência
não é coisa fácil, bem como estimar o que é isso de máximo aproveitamento dos
recursos. Quer isso significar que entra ao barulho a econometria e por isso
entramos em matéria equivalente à das letras pequeninas dos contratos.
O que é
então o output gap (desvio de
produto)? O desvio de produto é para cada ano a diferença entre o produto
efetivo da economia e o seu produto potencial.
Se o OG for
>0 isso significa que a economia está a crescer nesse ano acima da sua
tendência de longo prazo. Muitos economistas associam essa situação a um
contexto potencialmente inflacionista. Se, pelo contrário, o OG <0, isso
significa que a economia cresce com subutilização dos seus recursos,
correspondendo normalmente a uma recessão. Por exemplo, sabemos que as
políticas de austeridade atiraram o OG das economias intervencionadas para
valores significativamente negativos, obrigando as economias a desperdiçar
recursos, particularmente de mão-de-obra durante largo tempo.
Vislumbramos
aqui, desde logo, uma importante aplicação do OG com reflexos nas nossas vidas.
O OG é uma espécie de variável de antecipação de efeitos inflacionistas,
gerando consequentes adaptações de política. Mas na nomenclatura europeia a
influência do OG é mais vasta. Está na base e influencia o valor do défice
estrutural que é calculado em função do produto potencial das economias. Isto
bastaria para perceber a estupidez de colocar num tratado europeu um conceito
cuja métrica tem muito que se lhe diga. Não se trata de rejeitar um conceito. Ele é relevante e até intuitivo. Mas a sua
métrica não o é e está longe de estar tecnicamente estabilizada. Por isso, só
por orientação premeditada e, por isso, criticável faz sentido inclui-lo num
tratado, o Tratado Orçamental.
Não estranha
por isso que o conceito esteja sob o fogo da crítica. Não me interessam por
agora as sucessivas reformulações que a métrica tem experimentado do ponto de
vista econométrico para calcular o produto potencial. Por hoje, interessa-me
trazer ao vosso conhecimento a crítica que Simon Wren-Lewis (link aqui) constrói do
conceito, apresentando-o como uma má medida das pressões inflacionistas de uma
dada economia. Wren-Lewis é hoje um dos mais estimulantes macroeconomistas
contemporâneos e o seu MAINLY MACRO é uma peça de consulta
obrigatória para uma visão mais abrangente e debatida do estado da arte da
macroeconomia contemporânea, sobretudo após a Grande Recessão de 2007-2008.
Trabalhando
essencialmente sobre a economia britânica, Wren-Lewis desconstrói a contradição
das estimativas macro do Reino Unido que o colocam acima do produto potencial,
isto é com OG >0 e, apesar disso, a pressão inflacionária parecer ausente.
A explicação
de Wren-Lewis é engenhosa e creio que bastante robusta. Sabemos que a
recuperação das economias no pós-2007-2008 foi lenta, senão por vezes agónica.
Entretanto, a evolução do progresso técnico (inovação), mesmo que provavelmente
retardada, não parou. A acumulação de conhecimento- inovação tecnológica acaba
por gerar um gap de inovação. Ele não
é mais do que o potencial aumento de produtividade que a aplicação das
inovações disponíveis permitiria acaso a recuperação não fosse tímida e a
incerteza que, regra geral, acompanha evoluções dessa natureza, não bloqueasse
algumas decisões de investimento. Se isto for verdade, quando a recuperação se
torna mais efetiva, a pressão sobre os recursos deparará durante algum tempo
com um potencial de inovação não aproveitado. Isto significa que as pressões
inflacionistas tenderão a experimentar elas próprias um “lag” de manifestação, podendo mesmo não se manifestar se entretanto
ocorrer mais alguma tensão recessiva. Um OG >0 não é mais uma medida das
pressões inflacionistas.
Wren-Lewis
não discute em que medida esta questão poderia ser um não-problema. Um
não-problema? Sim, porque em teoria o produto potencial de uma economia deveria
medir o produto máximo da mesma com pleno aproveitamento de recursos, não
apenas do trabalho e capital disponíveis mas também do conhecimento-inovação
entretanto produzido. O problema é que o conhecimento-inovação não se traduz
imediatamente em novo capital, material ou imaterial. Exige investimento para a
sua transformação no mercado e esse investimento pode ser adiado por uma
recuperação agónica. Por isso, o produto potencial nunca consegue medir o
aproveitamento inovação e daí que o OG não o possa refletir.
Como referi,
o argumento não deixa de ser robusto pelo facto de ser engenhoso. É mais uma
razão para que os economistas não endeusem o OG e sobretudo não façam dele um
instrumento de punição macroeconómica preventiva. É uma questão de humildade
que, regra geral, as “masters voices”
não cultivam. Toda a vigilância é pouca.
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