sábado, 31 de março de 2018

ENTRE VISTAS


A realidade dos factos e dos números tem vindo a constituir Mário Centeno (MC) na grande revelação do governo liderado por António Costa. Não tanto porque ele seja tão objetivamente indiscutível quanto gostam de o apresentar, e quanto ele próprio talvez também goste de apresentar, em todo e qualquer plano que toque a atual conjuntura político-económica nacional (lembrem-se, p.e., as dificuldades com que se defrontou perante aquele jogo da verdade/mentira que levou o Presidente da República a dirigir-lhe uma humilhante desautorização), mas sobretudo na medida em que tem sabido ter a inteligência prática de ir estando com frequência no sítio e na forma adequados à hora certa (vejam-se, p.e., a enorme elasticidade com que adotou sem tergiversações uma estratégia macroeconómica significativamente diversa daquela com que se tinha dado a conhecer ao PS e aos portugueses ou o interessante caso do aproveitamento de condições excecionais para que pudesse chegar à liderança do Eurogrupo).

Estaremos, creio, perante um misto de três condimentos em pesos a melhor apurar: um inquestionável mérito técnico, exponencialmente potenciado por uma grande capacidade de trabalho e por uma equipa competente, coesa e eficaz; alguma sorte, digamos que algo equivalente ao nosso Fernando Santos em matéria de futebol; a proximidade providencial de um primeiro-ministro taticamente genial e que insiste quase obsessivamente em fazer dele uma das suas principais mostras disso mesmo.

A entrevista de MC ao “Expresso” deste fim de semana patenteia, ainda, uma crescente dimensão adicional que vai sobressaindo no seu perfil. Refiro-me àquilo a que os políticos profissionais gostam de chamar “capacidade política”, na realidade uma combinação nem sempre virtuosa e fácil de determinar entre conhecimento dos dossiês, sentido seletivo de oportunidade e imagem e poder dissuasor e de convencimento. Numa palavra, MC está de facto a conseguir transformar-se num político integral, o que manifestamente estava longe de ser quando iniciou funções.

O que fica por esclarecer – e foi, aliás, o tema dominante da última “Quadratura do Círculo” – é o que tem menos a ver com a conjuntura económico-financeira portuguesa em si (e nas suas múltiplas realizações positivas pontuais, entre cativações, recapitalizações e bons comportamentos evidenciados pela maioria das variáveis macroeconómicas) e mais com a evolução estrutural da nossa economia e a potenciação efetiva e equilibrada da sua transformação competitiva. No fundo, e descobrindo um pouco o véu, o que começa a importar discutir e perceber é o que será de nós se e quando a conjuntura expansionista e a solidariedade europeias voltarem a regredir, se e quando as receitas turísticas deixarem de bombar à velocidade atual, se e quando a carga fiscal revelar limites de incomportabilidade (tenha ou não tenha a carga fiscal aumentado em concreto neste ou naquele ano e deste ou daquele modo), se e quando ocorrerem distanciações partidárias que possam inviabilizar caminhos políticos e/ou económicos de estabilidade, se e quando se descobrirem mais alguns lixos escondidos debaixo de tapetes circunstancialmente estendidos, se e quando aconteça emergir outra manifestação forte da nossa desesperante inconsistência institucional. Não, creiam que não pretendo minimamente ser arauto de um qualquer catastrofismo, apenas entendo que é mais que tempo de levarmos firmemente a sério alguns assuntos absolutamente determinantes para a configuração do nosso futuro coletivo. Termino com uma sugestão: comecemos por ler as linhas e as entrelinhas da entrevista de António Costa à “Visão”...

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