Teodora
Cardoso usou todo o seu profissionalismo para apresentar em público a sua mais
recente perspetiva macroeconómica sobre a economia portuguesa e o estado das
finanças públicas. Não pestanejou nem mostrou qualquer azedume quando situou o
défice público em 2017 em torno de 1% do PIB, anunciou que pela primeira vez
esse mesmo défice ficaria abaixo de 1% em 2019 e até nas previsões do CFP
aparece um desconcertante excedente das contas públicas em 2020. Previsões não
são mais do que isso. Sabemo-lo bem, assim como sabemos que nunca como hoje há
a todo o momento revisão de estimativas. Mas na sua intervenção, Teodora
Cardoso não se eximiu de referir os sinais positivos da mudança no processo de
alocação de recursos, assim como chamou também a atenção para a oportunidade
que se abre na administração pública com a passagem à reforma de funcionários
com vencimentos elevados.
É esta última
dimensão do desempenho macroeconómico que me interessa hoje desenvolver. Chamei
a tal pretensão uma perspetiva macro da geringonça.
Comecemos
pelo princípio. É conhecido que entre o modelo macroeconómico que o grupo de
economistas com Mário Centeno e Paulo Trigo Pereira à cabeça elaborou para
suportar o programa do PS e a governação macroeconómica efetiva que a
geringonça acabou por promover há diferenças. O modelo macroeconómico inicial
pretendia mostrar, por argumentação ad contrario, que era possível fazer melhor
do que o ajustamento da Troika. Não esquecer, entretanto, que o vício trágico
da Troika foi admitir que a sua receita se pode aplicar em qualquer momento de
mercado mundial. Para poder fazer melhor, o modelo macro inicial tinha de
atribuir ao fortalecimento da procura interna uma outra relevância, já que isso
era fundamental para repor uma dinâmica mínima na economia, tão atingida que
fora pela ideia peregrina de que a destruição do Portugal arcaico significa
destruir tudo o que vivesse essencialmente para o mercado interno. De facto,
houve gente que quis ser mais “troikeira” do que a origem e assim se comportou.
Recordo-me
perfeitamente que, na altura, fiz-me eco de algumas reservas quanto à
possibilidade de conduzir uma estratégia macroeconómica virtuosa assente
exclusivamente na alavanca da recuperação dos níveis da procura interna. Mas ao
contrário de alguns “tolinhos do nosso mainstream
económico”, expliquei na altura que o fortalecimento da procura interna e a
recuperação dos setores em destruição desproporcionada e precoce tinham um
papel estratégico fundamental a desempenhar como estratégia de transição. Transição
entre quê e para onde? Uma estratégia de transição entre uma aposta desmedida,
desproporcionada e cega de desvalorização interna que, sem regulação, pode
matar o paciente, para um modelo de afetação de recursos em que os transacionáveis
representem duradoura e sustentadamente o elemento motor do crescimento.
Ora, a
geringonça, ao gerar uma situação macro revitalizada com a recuperação dos níveis
de consumo privado, assente nas reposições de rendimentos e direitos,
proporcionou essa transição de procura interna, dando tempo a que o
investimento público possa lentamente recuperar e sobretudo tempo às empresas
para repor capacidade produtiva focadas nos mercados externos. Hoje, como aliás
Teodora Cardoso o sublinhou, já não é o consumo privado a sustentar a dinâmica
de crescimento, mas antes as exportações e a uma articulação mais virtuosa com
o investimento privado e público também. Ninguém praticamente no mainstream compreendeu a virtuosidade
desta transição. E, ao contrário dos que nela viram a encarnação do diabo,
desempenhou exatamente o papel contrário, a de anjo suavizador de uma transição
que haveria de revelar-se virtuosa.
Mas esta
conclusão tem também implicações para a geringonça. O que se revelou capaz de
assegurar uma transição inimaginável para os mais troikeiros do que a própria Troika
não pode ser facilmente reeditada como estratégia macroeconómica sustentada. E
esse é também um desafio para a governação à esquerda. As empresas, essas,
continuarão a desempenhar o seu papel.
Sem comentários:
Enviar um comentário