(A vertigem-roleta eleitoral italiana está em curso – faites vos jeux – e vale a pena
perguntar como se chegou até a esta balbúrdia, perigosa, suficientemente perigosa
para a ignorarmos. Anuncia-se uma saída provavelmente de sendeiro para
Renzi e num cenário desses talvez Berlusconi tenha a gestão do tempo político em
Itália nas suas mãos e aí tudo será possível…)
As eleições italianas
anunciam-se como um rastilho-provocação e neste momento não é a aparente
indiferença dos mercados ao possível dilúvio italiano que me interessa analisar,
mas sobretudo as razões que conduziram a este estado das coisas. Mas, na
verdade, quando mobilizámos a memória e nos projetamos em alguma cinematografia
italiana, na Itália de Mussolini, na degenerescência da poderosa democracia-cristã,
nas suas perigosas cumplicidades, já em deriva, com a Máfia e com as faces mais
obscuras (ambrosianas) do Vaticano, o resultado dessa introspeção é que tudo
isto poderia de facto acontecer. As três Itálias, a elitista e poderosa do
Norte, a empreendedora (distritos italianos) e inovadora do Centro e a subsidiada
e caótica do Sul não se compreendem, diria que se detestam e essa desarticulação
é um barril de pólvora. O caldo está maduro para um tempero populista, do mais fascizante
até ao mais antissistema, e as próximas eleições vieram apenas confirmar todo esse
cadinho propício.
O caos dá para tudo, até
para um partido nascido no passado mês de dezembro, Noi com l’Italia (NCI) e não será preciso grande imaginação para compreender
ao que vem, ou seja, mais tempero e ingredientes para o caldo populista.
O cenário que está
desenhado tem múltiplas facetas. Uma delas é a oposição sistema versus
antissistema, protagonizada no primeiro lado da balança por forças com grande
antagonismo, o centro-esquerda do PD de Renzi, a Forza Itália de Berlusconi, a
Liga do Norte e outras forças menos conhecidas como a do NCI, os Irmãos de Itália
e a extrema-direita fascista da Aliança Nacional e do outro lado pelo movimento
5 Estrelas. Esta última formação tem-se apresentado irredutível no seu campo de
destruição do sistema vigente, embora a gestão desastrosa de algumas cidades italianas
como a de Roma dê para interpretações alternativas. Ninguém me convence que o 5
Estrelas não possa furar esse entendimento e admitir alianças e coligações seja
com a Liga do Norte, seja com o partido de Berlusconi.
Ironia das ironias, pura
tragédia, seria a Forza Itália de Berlusconi emergir como fiel da balança. Já há
quem diga que se o compararmos com Trump, Berlusconi arrisca-se a parecer
Winston Churchill. Estranho país este em que na beleza intrínseca se gera o
caos mais tenebroso. A dissolução e queda do Império Romano parece não ter sido
historicamente bem digerida.
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