(Está escrito que este governo dificilmente poderá esquecer
a questão dos incêndios florestais de junho e outubro de 2017, representando a
dimensão mais crítica da sua governação, globalmente muito positiva. Os
novos danos colaterais suscitados pelo 2º Relatório da Comissão Técnica
Independente e a celeridade com que a época de verão se aproxima dão-nos conta
que a política se processa a dois tempos, desfasados um do outro e nada bom
para a perceção da ação política)
É verdade que
as questões e desencontros do SNS têm ocupado a atenção dos últimos tempos. Mas,
tal como já tive oportunidade neste espaço de o sublinhar, tenho para mim que o
tom como a comunicação social trata os desabafos naturais de quem sente na sua
pele ou na dos seus as desconformidades e ineficiências do SNS não chegam para
apagar a perceção que os portugueses têm que, no confronto europeu e face ao nosso
nível de desenvolvimento, o nosso SNS faz alguns milagres. É por isso que os
fogos florestais e as suas trágicas consequências humanas, materiais e territoriais
constituirão a espinha na garganta do governo por mais decidida e agressiva que
for a resposta até ao fim da legislatura. Como é óbvio, uma boa campanha de verão
com tudo a responder na hora e a cumprir o seu papel poderá mitigar essa espiga.
Não é essa questão que hoje me interessa tratar. A pressão dos acontecimentos
está a puxar a governação para a concretização de resultados a curto prazo, que
não é o contexto mais favorável a uma boa governação. O melhor exemplo, e
partilho esta ideia com o especialista e amigo Américo Mendes, é a limpeza de
matas e florestas. A opção seguida pelo Governo embora possa revelar-se eficaz
na ótica do curto prazo não é a mais adequada para reforçar e capacitar o
envolvimento da sociedade civil, que é afinal o melhor indicador do
desenvolvimento,
No diz-se
que se diz jornalístico, vieram hoje a público possíveis receios de Marcelo
quanto ao estado das coisas em termos de grandes mudanças estruturais em relação
à floresta. As notícias divulgadas apontam para que o Presidente tenha já dado
de barato que nada de substancial vai ser conseguido até ao verão em termos de
grandes reformas, apontando a mira por conseguinte para a garantia da magnitude
de meios a acionar no próximo verão. Não tenho qualquer informação privilegiada
que me diga que isto é verdade e Marcelo lá sabe as ideias que pretende
disseminar. Mas não me espantaria que as tais grandes reformas da floresta, da
proteção civil e dos aparelhos de combate estejam atrasados e em
desconformidade com o timing com que esses avanços são comunicados.
O problema
faz parte de uma questão mais vasta, a que chamo a desconformidade entre os
dois tempos da política: o da decisão e da sua comunicação pública, direta,
indireta ou simplesmente velada, e o da operacionalização e concretização dos
processos de decisão. O gap entre estes dois tempos da política tem vindo a
agravar-se de forma tremenda, criando condições para uma perceção malévola da
ação política e para a sua degradação pública.
O que é que
então se passa?
A
generalidade dos governos, na ânsia de constituir grupos na administração da
sua confiança e (interpretação benigna ou benevolente) com aumento de
probabilidade das decisões terem concretização mais rápida, tem vindo a
depreciar equipas e estruturas internas e substitui-las por estruturas
informais e amovíveis com a alternância democrática. O que significa um círculo
cumulativo vicioso. À medida que o fazem, comprometem ainda a capacidade das
decisões serem operacionalizadas em tempo rápido.
Neste caso,
esta questão estrutural que está em vias de agravamento torna-se ainda mais complexa,
pois estão em causa coordenações complexas entre serviços diversos e máquinas
administrativas quase soberanas.
Por isso, a
questão dos incêndios e das florestas está a mostrar com evidência clara que a
ação política tem hoje dois tempos, o da comunicação e o da operacionalização. Quando
a cidadania se aperceber plena e não apenas parcialmente da sua existência, a
ação política ainda sairá mais denegrida. E o pior é que a classe política da
governação está mais interessada em monitorizar a comunicação das suas decisões
do que assegurar o cumprimento da sua operacionalização e execução. O poder dos
políticos está cada vez mais frágil, mas foi cama que prepararam ao longo dos
tempos.
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