(Por muito que o PS se esforce e que me perdoem os dois
ministros do Governo que me são mais próximos em termos de amizade, o
centralismo cultural continua vivo na governação socialista, como o esteve em
governações anteriores. Posso gostar e até muito da Anunciação
desse misterioso Álvaro Pires de Évora, agora exposto com sainete no Museu de Arte
Antiga, mas o País cultural é algo mais vasto do que o intelectual e poeta
senhor Ministro pensa que é)
Os ADN dos
partidos forjam-se em condições muito particulares de contexto e de cumplicidades.
Por isso, se não são imutáveis, apresentam pelo menos uma elevada rigidez e há
mecanismos suficientes para os reproduzir à medida e proporção dos interesses
neles representados. Assim, por muito que o PS e alguns dos seus ideólogos
agitem a bandeira do municipalismo, é um partido de tradição centralista e jacobina.
As presidências abertas de Mário Soares, ágeis e motivadoras, não escondiam o
ADN centralista, simplesmente mostravam-no numa outra escala. É óbvio que o PS
regional e local é aguerrido, há vozes que se têm perfilado (autarcas de Vila
Nova de Gaia, Matosinhos, Arouca, Guimarães, Valongo, Viana do Castelo, por
exemplo) que podem anunciar alguma mudança no estado das coisas mas, regra
geral, a disciplina partidária leva-os a não perturbar o ADN centralista.
Como é óbvio,
quando os recursos de investimento público a alocar são senão abundantes, pelo
menos significativos, é sempre possível disfarçar o ADN. Quando são escassos, a
operação já é mais difícil.
A recente
aquisição da Anunciação de Álvaro Pires de Évora e as obras no Palácio da Ajuda,
mais as segundas do que as primeiras, dada a relevância da primeira obra e a
sua localização óbvia e natural no Museu de Arte Antiga às Janelas Verdes (de tão
boa memória dadas as conversas na York House com o amigo e falecido Arquiteto
Octávio Lixa Filgueiras), transportam-nos para um padrão de escolhas públicas típicas
do centralismo cultural. Dizia-me uma colega próxima de trabalho que, enquanto
isto, os carrilhões de Mafra estão a cair, não se vislumbrando intervenção
governamental consequente e o Museu do Douro continua expectante que o Ministério
da Cultura cumpra compromissos que datam já de 2015. Estes dois casos são meramente
simbólicos e tantos outros casos haverá por esse país fora à míngua do cumprimento
de compromissos por parte do Ministério. Não, não me estou a projetar numa
dualidade Lisboa-Porto, como por vezes tende a enraizar-se. Estou antes a falar
de uma perspetiva de coesão territorial também na cultura, havendo um equilíbrio
de respeito pela cidadania cultural, por muito respeitável que se apresente a
procura cultural na capital.
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