domingo, 7 de fevereiro de 2021

A UNIÃO ESTÁ FROUXA

 

(Como sempre rigorosa e contundente, Teresa de Sousa alerta-nos no Público (link aqui) para uma semana de todas as desilusões na gestão da pandemia por parte da Comissão Europeia e da sua Presidente. O meu receio é que estejamos perante algo de mais estrutural do que uma simples quebra conjuntural de uma semana mais difícil.)

            Todos sabemos que a dimensão do desafio de uma pandemia não se compadece com a ideia de governação sem falhas. Não é possível garantir permanentemente a coerência dessa governação face aos desafios e flutuações do desconhecido, essa coerência avaliar-se-á no fim, quando entrarmos numa perspetiva de gestão e adaptação a algo com manifestação crónica. Até lá, aquilo que um virologista português Pedro Simas que ouço sempre com atenção designava de competição entre as várias variantes do vírus em plena disseminação irá encarregar-se da variabilidade e dos desafios que ela suscita. Por isso, ninguém imagina que Ursula von der Leyden e a Comissão Europeia como um todo sejam uma família de governantes super, à prova de bala e da incerteza pandémica. A desastrada semana que Teresa de Sousa comenta com a sua habitual competência e frontalidade pode ser entendida como um momento menos bom, conjuntural. Mas também pode resultar da manifestação de problemas e constrangimentos estruturais que não desapareceram por força da reação à pandemia.

Por mais agilidade e flexibilidade que possam ser introduzidas no modelo de governação e decisão na União Europeia, esta terá sempre dificuldades em competir com as condições de governo que os grandes países do G-7 (EUA, Reino Unido, China, …) podem oferecer aos seus cidadãos. Sobretudo, os domínios em que os Estados Membros têm sempre reivindicado primazia e autonomia de intervenção como, por exemplo, o das políticas de saúde, não é subitamente e por magia que a governação europeia se agiliza da noite para o dia.

A negociação em bloco europeu com as grandes farmacêuticas para a aquisição de vacinas poderia assegurar aos países da União, particularmente aos de pequena dimensão e que não nadam em recursos financeiros disponíveis boas condições de proteção. Poderia até representar um marco disruptivo no modo como os cidadãos nacionais poderiam reencontrar-se com a ideia de União Europeia, tornando-a mais palpável e próxima das suas condições de vida. Já a decisão assumida pela Comissão Europeia de procurar impor nessa negociação uma política de rebaixamento de preços de referência como se de uma central de compras vulgar se tratasse é discutível. Tem vindo a revelar-se, aliás, comparativamente pouco eficaz face a investimentos de outros países e vai projetar-se seguramente em ritmos de vacinação que vão deixar a União Europeia numa posição desconfortável. Poupar no investimento em vacinas vai significar atrasos de recuperação económica numa situação de já profunda devastação e, consequentemente, gerar, posteriormente, a necessidade de maiores estímulos a essa recuperação.

A gestão do conflito gerado pela contratualização com a Astra Zeneca fragilizou a Presidente da Comissão e toda a estratégia de compra em bloco por parte da União.

Mas Teresa de Sousa tem razão em sublinhar que o maior erro tenha sido por em causa a credibilidade das autoridades científicas britânicas, como se não houvesse diferenças, e substanciais, entre o estouvado Johnson e a precipitação da sua entourage política e a credibilidade do sistema de investigação científica britânica. Afinal o nome de Oxford do ponto de vista científico ainda é alguma coisa. Não é do interesse nem da União nem do mundo ocidental ampliar questiúnculas em torno do BREXIT que, estando consumado, a prudência manda minimizar o mais possível os custos associados. Podemos discordar do isolacionismo britânico que lhes pode, e vai seguramente, sair-lhes caro, para mal dos pecados da população britânica mais desfavorecida. Mas isso não significa desvalorizar a credibilidade das suas instituições.

Assim, por exemplo, mais do que alinhar numa espécie de mimetismo mediático, a União Europeia teria vantagem em promover no seu seio e no interior da sua comunidade científica, e o mais rapidamente possível, uma discussão séria para compreender as razões da opção por parte do Reino Unido de utilizar a “sua” vacina (Oxford – AstraZeneca) em maiores de 65 anos. Essa decisão contrasta flagrantemente com decisões já tomadas por alguns países europeus em o não fazer. Interessa sobretudo avaliar se a decisão britânica tem fundamento científico ou se, pelo contrário, resulta de uma decisão política do governo de Johnson para sossegar a sua própria população mais envelhecida. Até porque, para além das vacinas da Pfizer/BionTEch e da Moderna, não se sabe nada de relevante quanto às restantes vacinas que compuseram a compra em bloco da Comissão Europeia. A Comissão pareceu ignorar uma das peças chave da economia da inovação. A cadeia logística que leva o produto acabado de uma dada investigação científica, devidamente testada, validada e aprovada pelas autoridades competentes até à produção em massa e à sua disponibilização ao público é um longo caminho onde podem surgir escolhos e contratempos.

Conclui-se que o BREXIT é consequência de inúmeras encruzilhadas mal resolvidas e que se poderiam ter contornado. Parece que o pós-BREXIT vai também ser atravessado por inúmeros contextos anómalos. Um deles já se manifestou em toda a sua pujança – o facto de uma das principais vacinas ter produção britânica. Seria devastador que uma questão tão sensível e crucial para a saúde de britânicos e europeus fosse transformada em teste de aplicação dos quadros legais e contratuais preparados para dirimir conflitos de interpretação e implementação do acordo entretanto assinado em cima da linha no último dia de dezembro de 2020.

Sem comentários:

Enviar um comentário