terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

SÍNDROME DO JEJ(S)UM

 

(Não me ficaria bem deixar de comentar o deserto encarnado que se anuncia para os lados da Luz, quando o meu colega de blogue já o fez nos termos mais delicados. Creio que tenho uma explicação para a descida ao abismo, que tudo indica nas minhas cogitações ir aprofundar-se nos próximos tempos.)

            A gestão das expectativas quanto aos resultados de uma organização é uma arte do equilíbrio e da ponderação. Os contextos variam, as organizações têm história, e por isso a perceção do valor intrínseco dos recursos que temos para gerar resultados vai variando fortemente com os diferentes contextos em que as organizações inscrevem a sua atividade.

Mas chega de elaboração para um mundo, o futebol, que também a exige, mas no qual a crueza das coisas mais simples se sobrepõe quase sempre às mais elaboradas análises e estratégias. Gosto muito de ver o futebol mais como estratégia do que como tática, mas sou o primeiro a reconhecer que não é no mundo da elevação que se resolvem as amarguras futebolísticas.

Estando eu num período em que sofro com os resultados dos encarnados com a máxima da indiferença (o que é em si preocupante) talvez me coloque em posição mais distanciada para compreender os sinais que se manifestavam e anunciavam o jejum, agora com a forma Jesum.

Se olharmos para trás com o suficiente recuo no tempo, era fácil observar como em simultâneo com a esperteza saloia de LFV no seu jogo do gato e do rato, em que ele pensando ser o gato é antes o incauto rato sem a agilidade de Jerry, as incoerências da gestão futebolística do SLB sucediam-se a uma velocidade impressionante. 

Primeiro, fruto da insustentabilidade financeira do passado que era necessário corrigir, a errática valorização da formação nunca permitiu traduzir a sua reconhecida qualidade no desempenho da equipa principal. À mínima prova de qualidade em campo e à sua repercussão em termos de valorização de jogadores num mercado cada vez mais louco e especulativo, foram-se vendendo as joias de uma coroa falida. Algumas não tiveram sequer tempo de mostrar o que valiam em combate. Aliás, e o primeiro consulado de Jorge Jesus no clube mostra-o claramente, trata-se de um treinador que não tem paciência para integrar a formação nas suas equipas. A venda das joias não é só penalizadora para o desempenho mais sustentado da equipa. É-o também para o desenvolvimento dos próprios jogadores, muitos dos quais não têm a robustez de espírito de um Rúben Dias.

Segundo, nunca a contratação de jogadores e a descobertas de pechinchas com talento foi tão errática. Houve tempos, em que russos, suecos e latino-americanos de muita qualidade eram aquisições sólidas e tantas foram que deram origem a jogadores de topo europeu e mundial. Nos últimos tempos, talvez com a exceção de Darwin Nuñez que tem ainda muito que provar em termos de solidez e consistência e a recuperação de Jonas, emergiu a febre dos extremos e alas, foi-se de desilusão em desilusão em matérias de defesas direitos, adiou-se a questão estrutural do miolo e do centro da defesa, nunca se resolveu a saída de João Félix e a sua influência na coerência do modelo de jogo e sucederam-se as mais do que estranhas contratações em trânsito, transformando o clube numa espécie de offshore de passagem.

Terceiro, após uma gestão também errática dos êxitos e desgraças de Rui Vitória e Bruno Lage, que anunciava uma tendência de jejum, a contratação de Jorge Jesus foi o cúmulo de manual da má gestão de expectativas. Nunca entendi muito bem o que leva um treinador a trocar a glória de um Flamengo em contexto de menoridade atribuída aos treinadores portugueses pela fanfarronice das promessas a concretizar num contexto que já era de declínio. Mas trocou e a fanfarronice tola de Jesus combinou como uma luva com um LFV já encostado às cordas não só pelo jogo do gato e do rato, em que falta a entrada em cena de um Bulldog Spike para matar a jogada, mas também com uma reeleição que não foi a passadeira vermelha com que sonhava.

E começou a ser visível que as coisas não iriam correr bem. A equipa parecia um conjunto de betinhos a jogar com uma equipa de duros rapazes da rua. Não se metia o pé nem o corpo, a agressividade desceu para níveis impensáveis numa equipa do futebol de hoje (só no segundo embate com o FCP a agressividade esporadicamente regressou), a previsibilidade da equipa era em campo entediante, a defesa ruía ao mínimo sobressalto, o jogo com o PAOK foi mal estudado e do lado de lá estava um rato esperto de bola (Abel Ferreira), que ironicamente iria roubar a Jesus, uns meses mais tarde, a imagem da Libertadores. Qualquer equipa de média qualidade importunou e bloqueou a ação do SLB em campo, levando-o inúmeras vezes às cordas e sobretudo projetando a equipa para uma imagem de apatia e vulgaridade em desconformidade com o investimento realizado. E confirmou-se que Jesus não é homem para esperar a consolidação dos jogadores da formação.

Entretanto sobreveio a grande incidência do COVID-19 na equipa, que vai ser o bode expiatório de todo o insucesso que se antecipa. Tal como a pandemia nos mostra todos os dias em termos sanitários, as maleitas anteriores são fatais para os níveis de letalidade. Também aqui me parece que vai suceder o mesmo.

A aparente apatia e resignação com que Jesus tem encarado o desencontro da arrogância fanfarrona com a realidade nua e crua da maneira como a equipa se move em campo tem de obedecer a razões mais profundas do que as que emergem na comunicação social ou que resultam da mera observação da personagem em contexto de trabalho. Haverá certamente razões do foro pessoal que são estimáveis e que não devem ser do escrutínio público. Mas não é só isso. O que me parece é que JJ já percebeu que a sua previsão de um longo suporte do seu Presidente e Amigo apesar da cena da fuga para o Sporting também se esfumou. Há coisas em torno do jogo do gato e do rato em que LFV entrou por vocação saloia que seguramente não sabemos. Todo esse cenário paira e abate-se sobre a equipa e sobre a confiança com que Jesus passou a exercer. Claro que pode haver incompetência na gestão da capacitação física dos jogadores. Toda a equipa veio do Brasil em que os parâmetros da exigência física para os jogadores não são os mesmos dos observados na Europa. Claro que com a incidência do COVID-19 esse parâmetro não pode ser observado com os mesmos critérios. Mas mesmo antes da incidência, a equipa respirava tudo menos saúde física.

Erros de casting e de tempo no recrutamento, apatia gerada pela sensação de fim de ciclo, previsibilidade, erros de avaliação da evolução dos adversários num ambiente de treinadores de qualidade média francamente superior à dos brasileiros, eventuais erros de capacitação física e errática integração dos valores da formação é uma combinação explosiva para o declínio. Oxalá me engane mas o confronto com o Arsenal irá provavelmente marcar de vez o insucesso deste ano. O confronto com a juventude e irreverência leonina já foi suficientemente expressivo para antecipar o que nos espera. Defendam pelo menos o acesso à Liga Europa.

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