quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O QUE É QUE NÃO PERCEBEM BEM?

 


(Talvez a reunião do INFARMED de ontem tenha sido aquela com mensagens mais convergentes e com resultados comunicados da forma menos equívoca possível. Da referida convergência de resultados resultam ideias bem concretas e de grande alcance. Mais vale confinar com o maior rigor possível do que brincar aos confinamentos incrementais. E parece também resultar desses mesmos dados que os portugueses respondem bem melhor a mensagens inequívocas de alerta de perigo do que a divagações sobre as mil e uma razões para não confinar.)

            Dois ou três dias antes da reunião de peritos, que eu pessoalmente gostaria de ver antes transformada num conselho científico permanente de suporte à decisão política, o virologista Pedro Simas comunicara que, em seu entender, Portugal tinha condições para revelar excelentes resultados e rapidez na gestão da terceira vaga, sobretudo se conseguissem manter durante mais algum tempo o rigor de confinamento que conseguiu após a dolorosa decisão de encerrar Escolas. Também me parecia que assim podia ser, embora sabendo que essa possibilidade não evitaria a necessidade de gerir com rigor ainda durante algum tempo a pressão sobre alguns estabelecimentos hospitalares e suportar a dor do aumento do número de mortes.

De facto, o comportamento do número de casos confirmados, sobretudo o comportamento da sua desaceleração na descida, seguida também uns dias depois pela do número de internamentos, em contexto de novas variantes do vírus, com grande poder competitivo face a outras variantes, só poderia revelar o impacto do confinamento. E a mensagem decisiva para a mudança de comportamento coletivo, aliás iniciada pela mensagem do Presidente da República que iniciou com brilho na prática a sua intervenção após as eleições, foi inequivocamente o encerramento das Escolas. Os Portugueses perceberam que quando se fecham Escolas depois de todo o enunciado dos custos do seu encerramento é para levar a sério. Esse foi o sinal de alerta. E o que é mais importante é que esse confinamento acontece com ainda uma larga parte do aparelho produtivo a funcionar, com destaque para a construção e atividades associadas. Confirmei-o há dias quando, já com escolas encerradas, tive de ir ao coração cerâmico da transição entre Vila Nova de Gaia e Santa Maria da Feira buscar uma encomenda de azulejos para obras caseiras. Fiquei impressionado com o movimento logístico de materiais de construção e com a vitalidade do sistema produtivo em pleno movimento.

Face a essa realidade de confinamento mais rigoroso com parte do sistema produtivo ainda a funcionar aumenta a importância crucial do processo de testagem. Também aqui parece que a reunião do INFARMED fará história, pois a mensagem da necessidade de recuperar o abrandamento indesejável da intensidade de testagem resultou de modo convergente com praticamente todas as intervenções e o poder político, pelo menos a antes quebrar que torcer Ministra Marta Temido, compreendeu claramente a mensagem. Veremos se as Autoridades de Saúde conseguem organizar-se para responder positivamente a esse desafio.

Efetivamente, a forma mais convincente de não brincar às pandemias é administrar com rigor o confinamento para dar tempo a que o ritmo de vacinação possa avançar. No caso deste último, tenho um indicador de proximidade. Soube hoje que um casal vizinho de frente à minha casa, já para lá dos 90, foram já vacinados, chamados pelo Centro de Saúde. Bom sinal.

A parte mais difícil, sobretudo em termos de gestão política, vai ser a gestão da desaceleração do número de casos em confinamento rigoroso. Surgirá de novo a tentação de desconfinar antes do tempo, a de aliviar quanto antes o processo, pressões emergentes de todos os quadrantes. A gestão de expectativas será crucial e não me parece mal que a Páscoa seja apresentada como limite do sacrifício.

Tal como o estímulo à atividade económica que tem de parar por força do fechamento mais rigoroso é crucial, é também fundamental que o Governo e o atarantado Ministro da Educação definam um plano rigoroso de investimento para mitigar e favorecer a recuperação dos atrasos de aprendizagem. Nesta matéria, compreendo bem que se sublinhe os danos nefastos que a aprendizagem à distância provoca na desigualdade e na debilitação do futuro de muitos jovens desprovidos de apoio e condições físicas de estudo em casa. Mas convém lembrar que essas desigualdades já existiam antes da pandemia e que de uma vez por todas não se pode pedir apenas à Escola o que é tarefa de todos, entendendo aqui por todos a comunidade educativa em que ninguém pode ser desresponsabilizado.

Quanto aos meus netos, sobretudo os mais velhos, a Margarida e o Francisco estão a portar-se como gente crescida, têm boas condições, apoio e maturidade de acompanhamento, pena é que continuem afastados pelo próprio rigor do confinamento.

À gente inquieta, negacionista, incendiária apetece dizer, afinal, o que é que não entendem?

E para nosso bem e orgulho, a comunicação assumida pela grande maioria dos profissionais da linha da frente hospitalar, intensivistas, infeciologistas e outros, com destaque para o Hospital de S. João tem sido exemplar de contenção, equilíbrio, rigor, alerta consciente, verdade. Este é em meu entender o antídoto mais poderoso para os incendiários das questões sanitárias que, tal como os pirómanos dos incêndios, gozam no clamor das chamas uns segundos da notoriedade mais abjeta.

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