sábado, 13 de fevereiro de 2021

2 POEMAS: METÁFORAS DO E PARA O CONFINAMENTO

 

(Sábado calmo, com alguma réstia de sol. Tempo de metáforas, nevoeiro de incertezas diversas, com a eterna dúvida de ganhar resiliência para o que vier ou agir por antecipação. Este é um grande desafio do planeamento nos tempos de hoje. E o que é mais surpreendente é que o mote vem de dois poemas de Katie Peterson na New York Review of Books. Certamente não numa tradução que não honra a autora e que só a grande Maria Luísa Amaral daria o tom certo. Por isso reproduzo também a versão inglesa.)

NEVOEIRO 1

Era composto de água, mas inutilmente,

um veado caminhava no seu interior. Era uma voz

na rádio, uma narração,

dava-nos conta das dificuldades técnicas

que impediam que ouvíssemos o funeral

quando a morte do grande homem

se tornou num assunto de família.

 

Um veado escondeu-se

quando um carro dobrou a esquina.

Obrigou a que o condutor

fizesse mais do que prestar atenção.

Temos de desacelerar antecipando

o que vai acontecer.

 

O funeral chegou com música.

Uma canção sobre o que poderia durar.

 

Permaneceu o mesmo, pairando

sobre a casa

como um teenager doente de amor,

ou um adulto sem nada para fazer,

ou cortinas, ou sirenes, tudo

com uma duração permanente.

 

NEVOEIRO 2

Nunca cobriu as coisas como uma mortalha.

Ficava sempre suspenso

como as mulheres do século dezanove esperando por propostas.

 

Era um alfabeto no topo

do que conheceste, uma repetição,

trinados nas escalas, glissando.

Soube o que fazia entre as coisas.

 

É muito paciente, ensinando-

te, era muito diferente do mundo, esperava

por ti para dizer, não compreendo.

 

Era como toda a gente.

Parei de levantar pesos e caminhei

Todavia, não comprei

se pudesse ajudar-te, encontrando um novo uso

para o que tinha.

Fiz por dentro o que já tinha feito

no mundo. Quando pensei

no que perdera, gostei de mim próprio.

 

Vem do oceano.

Quer dizer que o nosso interior queima.

A nossa frieza queima, umas milhas terra dentro.

 

Era casual

Gostava de te ver alterado.

No teu sítio habitual.

 

Agora em inglês (intrigante o uso do It e não do He ou Her):

FOG 1

It was made of water, but not helpfully,

a stag walked inside. It was a voice

on the radio, a voiceover,

telling us about the technical difficulties

making the funeral hard to hear

at the moment when the great man’s death

became a family matter.

 

A stag became concealed

at the moment a car turned the corner.

It required the driver

to do more than pay attention.

One must be slow in advance

of what’s coming.

 

The funeral came back with music.

A song about what could last.

 

It stayed the same, hanging

around the house

like a lovesick teenager,

or a grownup with nothing to do,

or curtains, or sirens, anything

with duration that acts permanent.

 

FOG 2

It never covered everything like a shroud.

It was always suspended over

like nineteenth-century women waiting for proposals.

 

It was an alphabet on top

of the one you knew, a redo,

trills on the scales, glissando.

It knew what it was doing between things.

 

It is very patient, teaching

you, it was different from the world, it waited

for you to say, I do not understand.

 

I was like everyone else.

I stopped lifting weights and walked

instead, I did not shop

if I could help it, found new use

for what I had.

I did inside what I had done

in the world. When I thought

about what I lost, I loved myself.

 

It comes from the ocean.

It means our interior burns.

Our coolness burns, miles inland.

 

It was haphazard.

It loved to see you altered

in your usual location.

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