(Sábado calmo, com alguma réstia de sol. Tempo de metáforas, nevoeiro de incertezas diversas, com a eterna dúvida de ganhar resiliência para o que vier ou agir por antecipação. Este é um grande desafio do planeamento nos tempos de hoje. E o que é mais surpreendente é que o mote vem de dois poemas de Katie Peterson na New York Review of Books. Certamente não numa tradução que não honra a autora e que só a grande Maria Luísa Amaral daria o tom certo. Por isso reproduzo também a versão inglesa.)
NEVOEIRO 1
Era composto de água, mas inutilmente,
um veado caminhava no seu interior. Era uma voz
na rádio, uma narração,
dava-nos conta das dificuldades técnicas
que impediam que ouvíssemos o funeral
quando a morte do grande homem
se tornou num assunto de família.
Um veado escondeu-se
quando um carro dobrou a esquina.
Obrigou a que o condutor
fizesse mais do que prestar atenção.
Temos de desacelerar antecipando
o que vai acontecer.
O funeral chegou com música.
Uma canção sobre o que poderia durar.
Permaneceu o mesmo, pairando
sobre a casa
como um teenager doente de amor,
ou um adulto sem nada para fazer,
ou cortinas, ou sirenes, tudo
com uma duração permanente.
NEVOEIRO 2
Nunca cobriu as coisas como uma mortalha.
Ficava sempre suspenso
como as mulheres do século dezanove esperando por propostas.
Era um alfabeto no topo
do que conheceste, uma repetição,
trinados nas escalas, glissando.
Soube o que fazia entre as coisas.
É muito paciente, ensinando-
te, era muito diferente do mundo, esperava
por ti para dizer, não compreendo.
Era como toda a gente.
Parei de levantar pesos e caminhei
Todavia, não comprei
se pudesse ajudar-te, encontrando um novo uso
para o que tinha.
Fiz por dentro o que já tinha feito
no mundo. Quando pensei
no que perdera, gostei de mim próprio.
Vem do oceano.
Quer dizer que o nosso interior queima.
A nossa frieza queima, umas milhas terra dentro.
Era casual
Gostava de te ver alterado.
No teu sítio habitual.
Agora em inglês (intrigante o uso do It e não do He ou Her):
FOG 1
It was made of water, but not helpfully,
a stag walked inside. It was a voice
on the radio, a voiceover,
telling us about the technical difficulties
making the funeral hard to hear
at the moment when the great man’s death
became a family matter.
A stag became concealed
at the moment a car turned the corner.
It required the driver
to do more than pay attention.
One must be slow in advance
of what’s coming.
The funeral came back with music.
A song about what could last.
It stayed the same, hanging
around the house
like a lovesick teenager,
or a grownup with nothing to do,
or curtains, or sirens, anything
with duration that acts permanent.
FOG 2
It never covered everything like a shroud.
It was always suspended over
like nineteenth-century women waiting for proposals.
It was an alphabet on top
of the one you knew, a redo,
trills on the scales, glissando.
It knew what it was doing between things.
It is very patient, teaching
you, it was different from the world, it waited
for you to say, I do not understand.
I was like everyone else.
I stopped lifting weights and walked
instead, I did not shop
if I could help it, found new use
for what I had.
I did inside what I had done
in the world. When I thought
about what I lost, I loved myself.
It comes from the ocean.
It means our interior burns.
Our coolness burns, miles inland.
It was haphazard.
It loved to see you altered
in your usual location.
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