sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

GATÕES, CABRITA E OS TRÊS INSPETORES

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt

Ciclicamente, não dispenso um apontamento de Bruno Nogueira, cujo “Tubo de Ensaio” (que prepara em coautoria com João Quadros) ouço quase todas as manhãs na TSF. Aqueles cinco minutos, ou nem isso, chegam a revelar momentos de notório brilhantismo (embora haja outros de menor inspiração, claro). Entendi voltar a chamar a atenção para o texto de hoje não só pela simultaneidade da sua graça e eficácia como também porque ele nos permite não ignorar um grave incidente português em matéria de direitos humanos, sendo ainda especialmente apropriado aos estranhos dias que correm e à risória conjuntura política que vivemos enquanto esperamos que a pandemia abrande, que a Presidência Portuguesa termine, que a “bazuca” chegue, que as autárquicas aconteçam, eu sei lá...


Sobre o ministro, que não cessa de acumular erros e/ou gafes (fazendo com que, independentemente das suas intenções e esforços, Cabrita já não exista politicamente aos olhos da larga maioria dos portugueses que minimamente prestam atenção às suas aparições), Bruno tratou-o nestes termos liminares e quase achincalhantes: “Eu acho que o ministro Eduardo Cabrita pode fazer o que quiser que o primeiro-ministro nunca o vai demitir. Ele podia dar a vacina do corona ao cão, podia pegar fogo à Assembleia da República, podia passar com um rolo compressor por cima de um lar de idosos que o Costa não fazia rigorosamente nada. Eu começo a desconfiar que o Eduardo Cabrita tem fotos do António Costa todo nu com um casal de paquistaneses.”


Quanto ao essencial do texto, ele começava por uma referência à senhora Gatões, que comandou o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) até que alguém reparou que lhe eram exigíveis explicações (a ela e não só); sendo que, quando finalmente confrontada (nove meses depois), a dita jurou que não via porque devia retirar consequências e só depois de um enorme ruído público apresentou uma demissão que, afinal, acabaria por não a impedir de continuar a frequentar a instituição em causa para assessorar qualquer coisa assessorável. Assim disse Bruno: “Eu penso que é melhor sentarem-se porque vem lá mais uma chamada ‘cabritada’. Ora, a ex-diretora do SEF, Cristina Gatões, que se demitiu nove meses depois do caso do cidadão ucraniano assassinado no Aeroporto de Lisboa, foi escolhida pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, para assessorar a reestruturação do SEF, nomeadamente nos processos dos vistos gold. Resumindo: a senhora que se demitiu do SEF por causa da escandaleira do assassinato nas instalações do SEF vai dar palpites sobre como é que parte do SEF deve funcionar. Eu espero que, além dos vistos gold, a ponham na parte da decoração das instalações do SEF, nomeadamente na insonorização para que não se ouçam os berros quando os estrangeiros são torturados. Só falta o ordenado desta senhora ser pago com parte da indemnização que foi atribuída à família do falecido. Se esta senhora vai tratar dos vistos gold, é melhor mudar o nome para vistos roxos.”

  

E o texto concluía com uma alusão ao início do julgamento dos três inspetores do SEF, sim os mesmos que saíram da sala onde maltrataram o cidadão ucraniano a bazofiar sobre a desnecessidade de irem ao ginásio depois de todo aquele “exercício”. Eis o que sobre a matéria sublinhou Bruno, naturalmente que brincando com coisas tristes: “Os inspetores do SEF começaram ontem a ser julgados pelo assassínio do Ihor – o ucraniano que morreu – mas, pelo que percebi, parece que estão a ser julgados pelo suicídio. Fazendo fé no que dizem os acusados e a defesa, o cidadão ucraniano agrediu com a cabeça os bastões dos senhores do SEF e bateu violentamente com o estômago na ponta da bota dos funcionários do SEF. As declarações da defesa fazem chorar as pedras da calçada – uma pessoa ouve aquilo e pensa que o ucraniano queria por uma bomba no aeroporto, violar um Boeing 747 e largar centenas de tarântulas no free shop. Além de terem deixado o senhor todo cheio de nódoas negras, agora querem denegrir toda a sua vida, a mesma que eles tiraram, curiosamente. Eu, se fosse o juiz, mantinha a bola baixa durante o julgamento, não vão os senhores do SEF agredi-lo com o seu próprio martelo. Um inspetor do SEF negou agressões a Ihor e disse que o ucraniano, e cito, ‘já estava numa situação de fragilidade’ – imaginem! Só faltou dizer que quando chegou a Lisboa já vinha morto e foram eles que o ressuscitaram. Aquele ucraniano que vimos nas imagens a andar de um lado para o outro, estava claramente frágil, aquilo era um último estertor. Os três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras acusados de terem matado à pancada um cidadão ucraniano no Aeroporto de Lisboa garantiram esta Terça-Feira em Tribunal que, quando entraram na sala onde Ihor morreu, já este estava, para sua surpresa, manietado e asseguraram que nunca lhe bateram: ‘quando abrimos a porta, estava deitado no chão com fita-cola nas pernas e nos braços e a tentar rebentar a fita contra a parede’, contou na primeira sessão do julgamento Luís Silva de 44 anos. Já me aconteceu o mesmo, no Natal, a tentar pôr fita-cola nos embrulhos. Provavelmente o cidadão ucraniano era ilusionista e estava a fazer um número de escapismo, tipo Houdini. O inspetor disse que, a 12 de março de 2020 ouviu, por volta das 8 horas da manhã, uma comunicação para proceder à algemagem de um cidadão que estava a ter um comportamento violento e autodestrutivo. Fica estranho uma pessoa tão depressa estar numa situação de fragilidade e ter um comportamento violento. Provavelmente atirou-lhe com a canja que lhe tinham dado para ficar mais forte. Não admirava que o cidadão estivesse a ter um comportamento autodestrutivo porque se o ministro Cabrita faz o mesmo no ministério e safa-se sempre, talvez ele tivesse pensado em usar a mesma tática. Com estas declarações, é pena os senhores do SEF não terem o mesmo problema que o Pinóquio porque assim, em vez de bastões extensíveis, bastava agredirem o ucraniano à narigada.”

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