domingo, 7 de fevereiro de 2021

INCURSÕES ECONOMICISTAS NA CRISE

(Javier Olivares, https://www.elmundo.es) 

Vivemos um período de incerteza radical, no quadro do qual só a evolução da questão sanitária é mais imprevisível do que a real efetividade e grandeza dos gigantescos impactos económicos e sociais que finalmente resultarão. Mas cá vamos todos apalpando o terreno e procurando esforçadamente conhecer, analisar e avaliar.

 

Mais especificamente no plano económico, as estimativas são abundantes e de muitas formas e feitios. Uma das instituições mais reputadas na matéria, o Fundo Monetário Internacional, deu a conhecer na passada semana uma atualização (em baixa) das suas projeções de crescimento económico no mundo e por grandes regiões e países, sobretudo marcadas pela ideia de que a retoma será irregular e desigual – veja-se, designadamente, como a quebra global de 2020 foi amaciada pela manutenção de alguma dinâmica positiva na China, como as quebras mais salientes ocorreram no Reino Unido e na Zona Euro (com maior destaque negativo para Espanha, Itália e França, por oposição à Alemanha) e na Índia e América Latina (pior o México), como se estima que 2021 e 2022 recuperarão largamente à custa de China e Índia e mais do conjunto do grupo de países constitutivos da categoria “mercados emergentes e economias em desenvolvimento” do que das “economias avançadas”, como em 2022 ainda restarão países (nomeadamente europeus e incluindo Portugal) que não terão voltado aos seus níveis anteriores à crise. Só importará acrescentar a tudo isto que nada indica que os números ora apresentados não voltem a sofrer revisões num sentido mais pessimista porque mais compatível com as tendências pandémicas em presença.


Focando noutra e complementar direção, sublinhe-se que o BCE divulgou uma interessante síntese do esforço associado (medido em percentagem do PIB) às medidas estimuladoras de resposta à crise e com impacto orçamental tomadas pelos vários países da Zona Euro ao longo do ano de 2020, acrescentando ao gráfico uma dimensão comparativa face ao observado durante a crise precedente (ano de 2009). Sublinhe-se, por ser um elemento demonstrativo da gravidade do que se nos apresenta, que o esforço foi generalizadamente superior no caso de 2020 (no tocante a Portugal, estamos perante um valor que se aproxima do triplo dos 1% de 2009, embora subsistam no nosso espaço público referências técnicas e políticas de grande criticismo em relação a um posicionamento da gestão orçamental pelo Ministério das Finanças visto como teimosamente burocrático e estritamente contabilista, seja por via de uma utilização maníaca das cativações – Sérgio Aníbal escrevia esta semana no “Público” que “nem a pandemia afastou hábito de superar metas do OE” – seja por via de um controlo excessivamente rígido de despesas tidas por socialmente inadiáveis). 


(https://www.ecb.europa.eu)

 

Mas há também quem vá trazendo à discussão, diga-se que com alguma propriedade, a necessidade de se equacionar a justeza profunda destes apoios (a que somam, aliás, as garantias concedidas por muitos governos e que, não sendo de impacto imediato, não deixarão de ter potenciais e relevantes reflexos negativos em termos futuros), particularmente no que respeita à possível alimentação artificial de sobrevivências empresariais tornadas impossíveis (ou mesmo já previamente inviáveis) – falo das chamadas empresas zombies, uma realidade que tem vindo a ganhar pressão nas últimas décadas e que é simultaneamente a bête noire dos liberais e a grande desconhecida das propostas político-económicas de pendor mais social ou assistencialista. A evidência do gráfico mais abaixo é, deste ponto de vista, cristalina ao destacar quanto o great lockdown de 2020 varreu para debaixo do tapete problemas incontornáveis (ali medidos através de um indicador do número de falências) por comparação com o mais naturalmente observado na crise financeira de 2007-2008 e em recessões anteriores. Aqui deixo mais um tema a merecer aprofundamentos mais finos e tão objetivos quanto uma ciência dominantemente social o permita.


(https://www.economist.com)


(https://www.ft.com)

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