Uma breve digressão por notícias e factos soltos dos
últimos dias sugere-me o título deste post. Os argumentos e posições em
confronto para a viabilização de soluções que evitem a implosão do Euro e a
precipitação de uma crise mundial dão sinais de aproximação nula. A rigidez e
indefinição da situação geram expectativas de cada vez maior incerteza com a
consequente degradação da situação que se pretende corrigir.
Há várias evidências que apontam neste sentido.
O gradualismo mais ou menos pragmático da Alemanha aponta
agora para o modelo da união política mas o contexto em que essa proposta é
sinalizada é totalmente desfavorável a uma discussão sólida e democraticamente
alargada. A persistência de uma via punitiva de austeridade a todo o preço para
ultrapassar o problema das dívidas soberanas dos menos competitivos corre o
risco, como temos observado, de transformar radicalmente o modo como o risco
das dívidas soberanas é avaliado, mesmo a dos mais competitivos. A incapacidade de
fazer avançar consistentemente a intervenção do Fundo Europeu de Estabilidade
Financeira (FEEF), concretizando decisões da Cimeira de Outubro de 2011,
ilustra exemplarmente a indefinição que está criada.
Por outro lado, a resistência alemã e da ortodoxia
monetarista a projectar um BCE que actue como um verdadeiro Banco Central é
cada vez mais evidente e explícita. A alocução de 8 de Novembro do Presidente
do Bundesbank, Jens Weidmann, em Berlim é eloquente e dificilmente anuncia
qualquer margem de recuo nesta matéria. A divisão que essa rigidez de posição
está a gerar entre o falado directório bicéfalo França-Alemanha saltou já dos
meandros diplomáticos para a opinião pública corrente. Com esta indefinição, todas
as intervenções, por mais arrojadas que o sejam, realizadas pelo BCE sob a nova
orientação de Mário Draghi, deixarão sempre nos mercados uma marca de inconsistência.
Jean Claude Juncker, presidente do Eurogrupo, como sempre um dos raros sinais
de lucidez em toda esta indefinição, assinala curiosamente como matéria de
preocupação aspectos como o elevado nível da dívida alemã e a necessidade de
uma maior receptividade da Grã-Bretanha a uma regulação mais efectiva dos
mercados, mas continua contraditoriamente a considerar a saída da Grécia do
euro como uma hipótese teórica.
Por cá, a segunda avaliação pela Troika do resgate
financeiro a Portugal, combinada com a confirmação estatística da intensidade
recessiva das medidas, colocou outra vez a situação portuguesa na imprensa
internacional. Interrompeu-se, assim, o que parecia uma estratégia
governamental clara – o abrigo de circunstância face à extensão da crise para outros
países – Itália, Espanha, França. Mas a teimosia da abordagem reaparece com a
assumpção, agora de forma mais clara por parte da delegação da Troika, da necessidade
de generalização ao sector privado da chamada desvalorização nominal interna. Propor
a redução de salários como instrumento de competitividade sem que no interior
da zona euro estejam asseguradas as condições de relançamento da procura,
dinamizada pela Alemanha, é pura inconsistência. O programa de resgate
financeiro não consegue ultrapassar a sua principal inconsistência – o mito da “austeridade
expansionista”. Mais ainda, não consegue demonstrar em que medida a
desalavancagem imposta ao sistema bancário não compromete a fluidez de concessão
de crédito à economia com maior potencial de crescimento.
Mas aqui a novidade é, finalmente, a reacção (parcelar)
da banca. O desabafo de Fernando Ulrich (BPI) sobre os funcionários de sétima
linha e sobre a “estupidez” das normas impostas à banca portuguesa põem a nu o
que me parece ser a principal inconsistência do programa de resgate. Sem
libertação de crédito para as empresas com maior potencial de crescimento não há
retórica de reformas estruturais que possa valer à pretensa coexistência da
austeridade e do crescimento. E com esta indefinição toda, de programa e internacional,
são afinal bem compreensíveis as dificuldades do nosso ministro Álvaro em datar
o início da recuperação.
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