A aceleração da instabilidade na zona euro ditada pela
entrada em cena da pressão sobre a economia italiana vai claramente no sentido
das reflexões produzidas neste espaço. Porém, sem perder esse foco de atenção, a
que regressaremos com outras reflexões, vale a pena reflectir sobre as consequências
que o resgate financeiro está a determinar sobre um dos pilares da democracia portuguesa
ainda não problematizados neste blogue – o poder local. O efeito tenaz
é uma expressão que utilizo para descrever o que são hoje os desafios que se
colocam à intervenção municipal. Ela pretende significar a dupla pressão,
ascendente e descendente, que tenderá a intensificar-se sobre a intervenção dos
municípios. Ascendente, na medida em que os impactos sobre a coesão social e
condições de vida dos portugueses vão colocar ao poder local o desafio
relevante de se transformar numa primeira frente de protecção social. Descendente,
porque os imperativos da racionalização de recursos, do controlo da dívida
municipal, da redução de transferências e da própria reforma da administração local
constituirão um relevante constrangimento da actividade municipal.
O efeito tenaz não é um produto do resgate financeiro da
economia portuguesa. As consequências deste último tão só intensificaram uma
tendência que lhe era anterior, exigindo uma profunda transformação das
organizações pesadas e complexas em que muitas das Câmaras Municipais se
transformaram. A governação local, das cidades e das suas relações com territórios
mais vastos, está perante novas escolhas e opções de organização a que
dedicaremos neste espaço alguma reflexão. Por agora, gostaria apenas de
desmistificar algumas ideias malévolas que, à boleia do problema da dívida
soberana, têm vindo a ser disseminadas no comentário vulgar e corrente.
Não vou aqui sustentar que a gestão municipal seja um
paradigma de racionalidade, contenção e equilíbrio das escolhas públicas. O
poder local participou no extremar do modelo de afectação de recursos públicos
em Portugal, contribuindo para privilegiar os bens e serviços não transaccionáveis.
Mas o que importa denunciar são os riscos de uma visão centralista que a
consolidação orçamental tem vindo a reforçar e que alguns comentadores de
serviço cavalgam com prazer. Ora, sem esquecer a necessidade de novas escolhas
públicas no plano local, importa dimensionar o pretenso despesismo que aí se
terá instalado à sua verdadeira escala. Em primeiro lugar, é necessário ter
sempre presente que Portugal é um dos países mais centralizados do mundo
ocidental e europeu em particular. A percentagem de despesa pública que é
concretizada pelos níveis administrativos abaixo do Estado central é, segundo
os últimos números disponíveis para comparação internacional fiável, apenas
ligeiramente superior a 10%. Um cálculo expedito realizado a partir de dados da
proposta de Orçamento para 2012 aponta para que a Administração Local represente
em torno de 9% da despesa total das Administrações Públicas. Em Junho de 2011,
a dívida bruta conjunta da administração local e regional rondava os 5,7% da dívida
das administrações públicas. Reportando-nos a 2010, essa percentagem era cerca
de 3,2% para a administração local. Do ponto de vista evolutivo, a dívida da
administração local terá sido multiplicada por 3 ao longo de uma década
(2000-2010).
Seguramente que a administração local terá de participar
activamente na reformatação da despesa pública que a presente transição irá
determinar. Mas daí a estigmatizar o local como fonte última e decisiva do
descontrolo na afectação de recursos públicos é pura mistificação.
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