quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O EFEITO TENAZ


A aceleração da instabilidade na zona euro ditada pela entrada em cena da pressão sobre a economia italiana vai claramente no sentido das reflexões produzidas neste espaço. Porém, sem perder esse foco de atenção, a que regressaremos com outras reflexões, vale a pena reflectir sobre as consequências que o resgate financeiro está a determinar sobre um dos pilares da democracia portuguesa ainda não problematizados neste blogue – o poder local. O efeito tenaz é uma expressão que utilizo para descrever o que são hoje os desafios que se colocam à intervenção municipal. Ela pretende significar a dupla pressão, ascendente e descendente, que tenderá a intensificar-se sobre a intervenção dos municípios. Ascendente, na medida em que os impactos sobre a coesão social e condições de vida dos portugueses vão colocar ao poder local o desafio relevante de se transformar numa primeira frente de protecção social. Descendente, porque os imperativos da racionalização de recursos, do controlo da dívida municipal, da redução de transferências e da própria reforma da administração local constituirão um relevante constrangimento da actividade municipal.
O efeito tenaz não é um produto do resgate financeiro da economia portuguesa. As consequências deste último tão só intensificaram uma tendência que lhe era anterior, exigindo uma profunda transformação das organizações pesadas e complexas em que muitas das Câmaras Municipais se transformaram. A governação local, das cidades e das suas relações com territórios mais vastos, está perante novas escolhas e opções de organização a que dedicaremos neste espaço alguma reflexão. Por agora, gostaria apenas de desmistificar algumas ideias malévolas que, à boleia do problema da dívida soberana, têm vindo a ser disseminadas no comentário vulgar e corrente.
Não vou aqui sustentar que a gestão municipal seja um paradigma de racionalidade, contenção e equilíbrio das escolhas públicas. O poder local participou no extremar do modelo de afectação de recursos públicos em Portugal, contribuindo para privilegiar os bens e serviços não transaccionáveis. Mas o que importa denunciar são os riscos de uma visão centralista que a consolidação orçamental tem vindo a reforçar e que alguns comentadores de serviço cavalgam com prazer. Ora, sem esquecer a necessidade de novas escolhas públicas no plano local, importa dimensionar o pretenso despesismo que aí se terá instalado à sua verdadeira escala. Em primeiro lugar, é necessário ter sempre presente que Portugal é um dos países mais centralizados do mundo ocidental e europeu em particular. A percentagem de despesa pública que é concretizada pelos níveis administrativos abaixo do Estado central é, segundo os últimos números disponíveis para comparação internacional fiável, apenas ligeiramente superior a 10%. Um cálculo expedito realizado a partir de dados da proposta de Orçamento para 2012 aponta para que a Administração Local represente em torno de 9% da despesa total das Administrações Públicas. Em Junho de 2011, a dívida bruta conjunta da administração local e regional rondava os 5,7% da dívida das administrações públicas. Reportando-nos a 2010, essa percentagem era cerca de 3,2% para a administração local. Do ponto de vista evolutivo, a dívida da administração local terá sido multiplicada por 3 ao longo de uma década (2000-2010).
Seguramente que a administração local terá de participar activamente na reformatação da despesa pública que a presente transição irá determinar. Mas daí a estigmatizar o local como fonte última e decisiva do descontrolo na afectação de recursos públicos é pura mistificação.

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