quinta-feira, 3 de novembro de 2011

PARA ALÉM DA ESPUMA DOS DIAS

A crise da dívida soberana europeia é parte, e consequência, das derivas do capitalismo financeiro e da correlativa desordem do capitalismo globalizado. Atente-se, p.e., neste encadeamento: “os pacotes de resgate permitem ao país ficar, pelo menos até meados de 2013, numa espécie de ‘cerca’ protegida da necessidade de recorrer aos mercados financeiros”; porque “o essencial é ganhar tempo para que os governos lidem com os cancros detectados”; porque “o principal objectivo dos programas de austeridade aplicados nos países do sul da Europa é proteger os balanços dos bancos do norte da Europa”.

É, a meu ver, dentro deste enquadramento que devemos analisar o mais recente episódio daquela crise, o referendo grego. Com efeito, independentemente de calculismos pessoais e/ou político-partidários que possam estar associados (?) à decisão de Papandreou, o que parece certo é que as contradições internas à sociedade e economia germânicas se traduziram numa paralisia da respectiva acção política à escala europeia; com implicações tão desastrosas como, durante largos meses, a incapacidade de evidenciar uma efectiva vontade de abordar frontal e atempadamente a situação grega – apenas equivalente a 2% do PIB e a 4% da dívida de toda a Zona – e, ultimamente, a contaminação entre as dívidas do Estado e dos bancos que acabou por conduzir ao incrível consentimento de que um país da Zona possa abrir falência e, portanto, de que a dívida soberana de um tal país possa deixar de ser um activo livre de risco!

Pelo meio foi ficando um povo atónito e em sofrimento. E avisos, ralhetes, puxões de orelhas, ameaças e chantagens a um primeiro-ministro que tinha chegado ao local errado à hora errada, após “inconsistências institucionais” longamente acumuladas mas agravadas por tropelias diversas do governo que o antecedeu.

E não é tudo isto perigoso, e quase irresponsável, na perspectiva da salvaguarda do Euro? A resposta é: sim, e muitíssimo. Como o é especificamente para nós, Portugal, por muito que Passos insista em que nos apliquemos e não nos deixemos confundir com os gregos – uma estratégia errada e igualmente perigosa, até porque, ao contrário do que diz, “não depende inteiramente de nós”. Como também o foi que a construção da moeda única tenha correspondido – antes, durante e depois – a um processo grosseiramente ligeiro e imprudente à luz de tudo quanto a teoria ensinava e a responsabilidade política devia exigir. Esperemos, pois, pelas cenas dos próximos capítulos deste autêntico filme conjugando ficção, drama e “suspense”.

Recordo, por fim, que foi um cidadão alemão do século passado (Brecht) quem melhor descreveu o impasse de quem fica sem alternativa: "Do rio
que tudo arrasta, diz-se que é violento; mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem"…

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