sexta-feira, 11 de novembro de 2011

PLANNING FOR PEOPLE?



As recentes cheias em Génova mostraram como parte relevante da estrutura física de uma cidade Europeia desenvolvida e de forte património histórico-cultural pode colapsar no espaço de poucas horas – isto é, pode literalmente “ir por água abaixo”.

Os peritos explicam-nos que as fortíssimas chuvas não encontraram respostas nos antigos e desadequados sistemas de drenagem da cidade. Todavia, é claro que as causas são mais estruturais e estarão relacionadas com todo um modelo de expansão urbana e consumo desregrado do solo. Por um lado, pela urbanização em zonas de acentuados declives, associada à destruição de propriedades geo-hidrológicas dos solos que fazem perigar a malha histórica a jusante. Por outro lado, pela proximidade entre nova construção a cursos de água (a regulação vigente exige uma distância mínima de apenas 3 metros!), que em conjunto contribuíram para o acumular de riscos urbanos explosivos. As alterações climáticas em curso não fizeram mais do que acender o rastilho.

Não sendo um perito em ambiente, este caso chamou-me a atenção por dois motivos, que constituem temas de interesse no âmbito da discussão entre interesses privados e acção pública. Trata-se de duas ironias do destino. Por um lado, porque estas cheias ocorreram em simultâneo com a Cimeira de Cannes e com o acentuar das pressões sobre a dívida soberana Italiana, que parecem anunciar que investimentos relacionados com mitigação e adaptação climática em cidades tenderão a passar para planos longínquos na discussão pública. Trata-se de uma situação desafortunada pois é hoje claro que o tão desejado objectivo do retorno ao crescimento económico – nomeadamente em cidades de forte valor patrimonial – estará sempre indissociavelmente ligado à preservação dos seus recursos culturais, físicos e ambientais. Numa altura em que o turismo é quiçá a única industria em crescimento na Europa, o papel destes equilíbrios dinâmicos em cidades de maior valor patrimonial dificilmente poderá passar despercebido. Esta questão tem merecido a melhor atenção da DG REGIO e do pensamento académico que hoje discute o futuro da Politica de Coesão pós 2013; todavia, a sua operacionalização é dificilmente compatível com políticas espacialmente homogéneas e indiferenciadas – ainda que intencionadas para o crescimento – que tendem a caracterizar a prescrição da dominante ortodoxia económica Europeia centrada no estado nação.

Por outro lado, e esta é a segunda ironia, a tragédia de Génova acontece no último dia em que esta cidade recebia a Assembleia Geral das EUROCIDADES, uma plataforma de discussão, lobby e cooperação entre as maiores cidades Europeias (na qual me encontrava presencialmente). O tema central do encontro – “Planning for People” – animou as discussões e mesas redondas. Sendo provavelmente injusto dizer que a questão ambiental saiu da agenda urbana Europeia, esta esteve certamente bastante esbatida face às – também elas centrais – questões da pobreza e integração associadas ao aumento do desemprego e exclusão social na Europa. O que é todavia grave é o facto do secretário-geral das EUROCIDADES ter afirmado de forma desprendida (possivelmente por descuido) que “ninguém podia prever o que ia acontecer”. Para além de ser não ser verdade – são vários os artigos científicos que alertam para a elevada probabilidade deste evento em Génova – seriam de esperar algumas elações mais profundas que voltassem a acordar decisivamente as cidades Europeias para a mobilização de estratégias e recursos na mitigação e adaptação às alterações climáticas. Este trabalho é também ele indissociável do tema de “Planning for People” e constitui uma área em que certamente as EUROCIDADES poderiam ter margem para trabalhar em conjunto e justificar o facto de terem um escritório em Bruxelas. A relevância desta discussão para algumas cidades portuguesas com vulnerabilidades semelhantes é evidente.

Sem comentários:

Enviar um comentário