O número de economistas não alinhados com o monetarismo
mais ortodoxo que têm defendido nos últimos dias uma diferente postura para o
BCE tem vindo a avolumar-se. De cá e do lado de lá do Atlântico, emerge cada
vez com mais clareza a defesa de um BCE que actue como um verdadeiro banco
central. A expressão mais utilizada é a de credor (emprestador) de última instância
(lender of last
resort). Que este movimento de opinião estava a ganhar uma
progressiva expressão não me oferecia dúvidas. E se dúvidas houvesse a utilização
da expressão pelo Presidente da República este fim-de- semana dissiparia plenamente
as mesmas. Dada a margem de risco reduzida com que o Presidente participa nos
debates desta natureza, a sua adesão à referida expressão revela que não se
trata de coisa menor. O que não deixa de ser curioso pois temos uma aparente
falta de sintonia entre o Presidente e o Governador do Banco Portugal, que tem
defendido que o BCE está no limite da sua intervenção.
A orientação do BCE para uma posição de defesa da
estabilidade do sistema financeiro e não apenas da estabilidade dos preços tem
sido um argumento que se cruza com o outro debate que tem animado a blogosfera
dos economistas: há ou não um pecado original na constituição do euro? Não são
debates convergentes. O primeiro situa-se sobretudo na procura de margens de
manobra para suster a instabilidade financeira que atingiu a zona euro e que
corre o risco de fragmentar de uma vez por todas a própria construção europeia.
Entre os argumentos que têm sido apresentados para sustentar a falta de margem
de manobra do BCE para evoluir para um estatuto de “credor de última instância”
estão os seus princípios estatutários, os riscos e medos de um processo
inflacionário descontrolado e a oposição de princípio da Alemanha.
O artigo de Bradford DeLong, de 31.10.2011, no Project
Syndicate, “A Batalha do BCE contra a Banca Central” (http://www.project-syndicate.org/commentary/delong119/English)
desmonta a questão estatutária. A tradição da banca central vai no sentido da
garantia da estabilidade financeira e, por isso, os tratados alteram-se, haja
vontade política para o fazer. Até lá é a força das ameaças que deve recomendar
a alteração de postura. Quanto ao argumento dos riscos (medos) de um processo
inflacionário, por muito que os meandros da história sejam para ter em conta e
os alemães podem ser mais sensíveis a esse medo, falar de riscos inflacionários
com a generalidade dos indicadores a apontarem para uma recessão europeia não é
sério. Aliás, a leviandade com que alguns comentadores políticos acenam com
este risco invocando a história alemã (Vasco Pulido Valente, por exemplo) só se
compreende por pura e arrogante iliteracia económica. Fica o “argumento” da oposição
alemã a um novo fôlego para o BCE.
Mas em meu entender não é apenas oposição alemã. Ela é
relevante e tende a inibir alguns órgãos da governação europeia (Comissão
Europeia e Durão Barroso, mais do que ninguém). Há sim uma forte cumplicidade entre
a ortodoxia monetarista que comandou o processo estatutário de constituição do
BCE e a posição alemã. Bastaria este facto para de uma vez por todas nos
convencermos que o debate de ideias no pensamento económico está para além do
interesse académico. Tem repercussões no futuro dos países e nas condições de
vida das pessoas. Por isso, todos devemos interpelar os economistas e sobretudo
não deixar processos como o dos princípios estatutários do BCE sem escrutínio. Já
não haverá certamente tempo para esperar pela dinâmica das futuras eleições
europeias para colocar o problema no debate político para o Parlamento Europeu.
Por isso, este debate é tão importante.
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