domingo, 13 de novembro de 2011

CREDOR DE ÚLTIMA INSTÂNCIA


O número de economistas não alinhados com o monetarismo mais ortodoxo que têm defendido nos últimos dias uma diferente postura para o BCE tem vindo a avolumar-se. De cá e do lado de lá do Atlântico, emerge cada vez com mais clareza a defesa de um BCE que actue como um verdadeiro banco central. A expressão mais utilizada é a de credor (emprestador) de última instância (lender of last resort). Que este movimento de opinião estava a ganhar uma progressiva expressão não me oferecia dúvidas. E se dúvidas houvesse a utilização da expressão pelo Presidente da República este fim-de- semana dissiparia plenamente as mesmas. Dada a margem de risco reduzida com que o Presidente participa nos debates desta natureza, a sua adesão à referida expressão revela que não se trata de coisa menor. O que não deixa de ser curioso pois temos uma aparente falta de sintonia entre o Presidente e o Governador do Banco Portugal, que tem defendido que o BCE está no limite da sua intervenção.
A orientação do BCE para uma posição de defesa da estabilidade do sistema financeiro e não apenas da estabilidade dos preços tem sido um argumento que se cruza com o outro debate que tem animado a blogosfera dos economistas: há ou não um pecado original na constituição do euro? Não são debates convergentes. O primeiro situa-se sobretudo na procura de margens de manobra para suster a instabilidade financeira que atingiu a zona euro e que corre o risco de fragmentar de uma vez por todas a própria construção europeia. Entre os argumentos que têm sido apresentados para sustentar a falta de margem de manobra do BCE para evoluir para um estatuto de “credor de última instância” estão os seus princípios estatutários, os riscos e medos de um processo inflacionário descontrolado e a oposição de princípio da Alemanha.
O artigo de Bradford DeLong, de 31.10.2011, no Project Syndicate, “A Batalha do BCE contra a Banca Central” (http://www.project-syndicate.org/commentary/delong119/English) desmonta a questão estatutária. A tradição da banca central vai no sentido da garantia da estabilidade financeira e, por isso, os tratados alteram-se, haja vontade política para o fazer. Até lá é a força das ameaças que deve recomendar a alteração de postura. Quanto ao argumento dos riscos (medos) de um processo inflacionário, por muito que os meandros da história sejam para ter em conta e os alemães podem ser mais sensíveis a esse medo, falar de riscos inflacionários com a generalidade dos indicadores a apontarem para uma recessão europeia não é sério. Aliás, a leviandade com que alguns comentadores políticos acenam com este risco invocando a história alemã (Vasco Pulido Valente, por exemplo) só se compreende por pura e arrogante  iliteracia económica. Fica o “argumento” da oposição alemã a um novo fôlego para o BCE.
Mas em meu entender não é apenas oposição alemã. Ela é relevante e tende a inibir alguns órgãos da governação europeia (Comissão Europeia e Durão Barroso, mais do que ninguém). Há sim uma forte cumplicidade entre a ortodoxia monetarista que comandou o processo estatutário de constituição do BCE e a posição alemã. Bastaria este facto para de uma vez por todas nos convencermos que o debate de ideias no pensamento económico está para além do interesse académico. Tem repercussões no futuro dos países e nas condições de vida das pessoas. Por isso, todos devemos interpelar os economistas e sobretudo não deixar processos como o dos princípios estatutários do BCE sem escrutínio. Já não haverá certamente tempo para esperar pela dinâmica das futuras eleições europeias para colocar o problema no debate político para o Parlamento Europeu. Por isso, este debate é tão importante.

Sem comentários:

Enviar um comentário