sexta-feira, 4 de novembro de 2011

FINANÇA E CRISE DO SISTEMA

O “Grupo dos 20” (G2O) é a entidade internacional que melhor se aproxima de exprimir, em termos de representatividade e dispersão geográfica (veja-se o gráfico abaixo, hoje publicado no “Le Monde”), a estruturação de poderes nacionais na economia mundial de hoje. O que decorre do facto de, tendo nascido em 1999, o G20 ser contemporâneo da afirmação de um capitalismo globalizado potenciado pela revolução das TICs (tecnologias de informação e comunicação) e pela emergência de novos actores.

Uma Cimeira do G2O está actualmente reunida em Cannes, embora praticamente ainda não tenha conseguido escapar à dominância dos últimos incidentes/manifestações da crise em curso na Europa e assim estando a infirmar a ambição de uma espécie de nova “Bretton Woods” com que Sarkozy o apresentou (governação internacional e sistema monetário internacional) e designou (“New World, New Idea”).

Sublinhe-se, aliás, que a esfera financeira (das guerras cambiais à promoção de reformas financeiras regulatórias, dos passos para fortalecer o sistema financeiro aos “deliveries” das instituições financeiras internacionais, da reparação e recuperação financeira ao “restoring lending”) tem estado quase em permanência no centro dos debates e esforços de concertação no seio do G20. E muito justamente, na medida em que – paralelamente aos riscos (sobretudo sociais) contidos no significativo aumento dos níveis de desigualdade e pobreza à escala internacional e aos perigos de uma diluição dos espaços económicos nacionais (sob a acção de interesses e lógicas sem fronteiras num quadro de não clarificação da governação mundial) – a crescente consciência dos limites da dinâmica de funcionamento e expansão do capitalismo globalizado (“falha da globalização”) tem vindo essencialmente a advir dos danos decorrentes de euforias liberalizantes que levaram gradualmente a instância financeira – primeiro necessária, seguidamente imprescindível, depois dominante – a uma autonomização (“financeirização”, “capitalismo de casino”) que fez dela causa última de desordem.

Décadas atrás, num contexto assaz diferenciado, Pierre Bourdieu (“As Estruturas Sociais da Economia”) já percepcionava um encaminhamento da “coisa” em favor dessa fracção do capital: “O campo mundial apresenta-se como um conjunto de subcampos mundiais em que cada um corresponde a uma ‘industry’ entendida como um conjunto de empresas em concorrência pela produção e comercialização de uma categoria homogénea de produtos. A estrutura, quase sempre oligopolística, de cada um destes subcampos, corresponde à estrutura da distribuição do capital (nas suas diferentes formas) entre as diferentes empresas capazes de adquirir e conservar um estatuto de concorrente eficaz a nível mundial, dependendo a posição de uma empresa em cada país da sua posição em todos os outros países. O campo mundial está fortemente polarizado. As economias nacionais dominantes tendem, pelo simples facto do seu peso na estrutura (que funciona como barreira à entrada), a concentrar os activos das empresas e a apropriar-se dos respectivos lucros, assim como a orientar as tendências inerentes ao funcionamento do campo. A posição de cada empresa no campo nacional e internacional depende, na verdade, não apenas das vantagens próprias, mas também das vantagens económicas, políticas, culturais e linguísticas que decorrem da sua pertença nacional, esta espécie de ‘capital nacional’ que exerce um efeito multiplicador, positivo ou negativo, sobre a competitividade estrutural das diferentes empresas. Estes diferentes campos estão hoje submetidos ao campo financeiro mundial.”

Descontando o que os anos operaram e o muito que tornaram datado/ultrapassado, há uma lógica sistémica que permanece e claramente sobressai na actual “grande crise” (ou “segunda grande contracção”, na terminologia de Kenneth Rogoff), um fenómeno crescentemente considerado como tendo, pelo menos, gravidade aproximada à da Grande Depressão dos anos trinta do século passado. Minorando vicissitudes e detalhes, o substantivo traduz-se, “en bref”, no esgotamento de mais uma fase de desenvolvimento que o sistema capitalista atingira no seu até agora incessante movimento dialéctico entre contradição e renovação…

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