Vimos em post anteriores que o alinhamento pelas posições
alemãs define uma parte relevante dos actores que podem contribuir para a
resolução da crise das dívidas soberanas e o consequente evitar da implosão
europeia. Essa parece ser também a estratégia assumida pelas autoridades
portuguesas. Já há algum tempo se pressentia, também, que a própria Comissão
Europeia, pelo menos por omissão, seguia orientação similar. A abertura de
novos temas de debate sempre foi concretizada com a cautela necessária para não
perturbar as referidas posições alemãs, escudando-se a Comissão na sua análise
de exequibilidade. Escolher temas de fractura equivaleria segundo a Presidência
da Comissão a comprometer a priori a sua viabilidade, o que constitui por si só
uma perspectiva de alinhamento. E nem a intervenção mais ou menos inflamada de Barroso
no Parlamento Europeu, essencialmente para americano ouvir, conseguiu disfarçar
esse alinhamento.
Neste contexto, vale mais a pena ir directamente à fonte
e passar a seguir com mais atenção o pensamento de quem marca na origem as
regras do jogo.
As posições do Bundesbank, coração da ortodoxia de
abordagem à crise, fazem cartilha. Dediquei por isso alguns minutos de atenção
a posições públicas recentes de Jens Weidmann, Presidente do Bundesbank. Dois
momentos relativamente recentes proporcionaram a oportunidade certa para seguir
o pensamento assumido pela referida instituição: (i) Alocução ao Congresso dos
Banqueiros em Frankfurt, datada de 8 de Novembro de 2011 (“Managing macroprudential and monetary
policy – a challenge for central banks”) e (ii) Entrevista ao
Financial Times, 13 de Novembro de 2011. O primeiro testemunho, menos coloquial
e declaradamente programático, merece atenção particular.
O discurso de Weinmann é revelador da rigidez inamovível
das posições alemãs. Embora admitindo que há relações possíveis de contágio
entre as mesmas, política monetária (estabilidade dos preços a todo o preço) e
estabilidade financeira são entendidas como objectivos concretizáveis com
instrumentos próprios, que não devem confundir-se. Reafirma-se a ideia de que
os bancos centrais e o BCE devem prosseguir tão só a estabilidade nominal e
remeter para uma política de supervisão macroprudencial a estabilidade
financeira. O risco admitido por Weinmann é a de que a inconsistência da
segunda, resultante de indisciplina orçamental e de debilidade económica, pode
comprometer o próprio mandato da estabilidade nominal.
Quanto à supervisão macroprudencial a alocução é parca de
ideias. A participação dos bancos centrais no European Systemic Risk Board
é praticamente a única referência nesta matéria. Para além disso, a defesa
intransigente da estabilidade dos preços a longo prazo e a consequente proibição
de qualquer tipo de financiamento monetário são repetidamente reiteradas. Com
esta rejeição, são também rejeitadas soluções como o financiamento do Fundo de
Estabilidade e Equilíbrio Financeiro por parte do Banco Central e também a
utilização de reservas cambiais como um suporte à compra de títulos da dívida pública.
A irredutibilidade é manifesta. O Bundesbank alinha com a ideia de que o
contributo da Alemanha para a estabilização da cena internacional deverá
continuar a residir no seu papel de âncora para a sustentabilidade fiscal e boa
saúde das contas públicas.
Qualquer hipótese de estímulo fiscal de curto prazo
susceptível de agravar ainda que temporariamente a sustentabilidade fiscal de
longo prazo é liminarmente rejeitada. A via punitiva e purificadora para os orçamentalmente
indisciplinados sobrepõe-se a qualquer outra solução. Focada no
objectivo de longo prazo, a ortodoxia do Bundesbank ignora que, combinadas, a
instabilidade financeira e a penosidade do ajustamento purificador podem
precipitar o tal risco sistémico que Weinmann reconhece que deve ser controlado.
Será trágico que só as evidências de uma situação
descontrolada possam abalar uma ortodoxia tão inflexível.
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