terça-feira, 8 de novembro de 2011

TEMPO E ESPAÇO NA ECONOMIA

Os inquestionáveis ditames da conjuntura económica sobre a nossa vida colectiva tornam infindável a bateria de indicadores nacionais e internacionais cujo comportamento os “media” vão despejando – crescimento e desemprego, inflação e taxa de juro, saldos públicos e de transacções correntes, produtividade e competitividade, e por aí fora –, numa sucessão que condiciona a percepção da riqueza de cada país, a estabilidade de cada governo, a margem de manobra de instituições e empresas e o sentimento de bem-estar de cada cidadão individual. Mergulhados nesta rotina, quase somos levados a esquecer a perspectiva histórica como única capaz de nos reconduzir às dimensões de progresso e falibilidade que marcam o construtivismo humano, por um lado, e de nos situar no tempo e no espaço, por outro. E assim volto, também, à ideia de que “geografia não é destino”.

Recorro a Angus Maddison, um vulto da história económica há pouco falecido que dedicou toda uma vida de investigação – num quadro académico (destaque para a Universidade de Groningen) e profissional (consultoria e 25 anos de OCDE) – a “explicar diferenças no desempenho de crescimento e nos níveis de rendimento das nações”, isto é, a interpretar as vias e padrões de evolução – interacção ou autonomia, avanço ou atraso, convergência ou divergência, recuo ou ”catching up” – evidenciados pelo desenvolvimento económico mundial em termos milenares e em períodos específicos (veja-se, em especial, a sua última e vigésima obra “Contours of the World Economy 1-2030 AD, Essays in Macro-Economic History”).

Um breve parêntesis para valorizar a perspectiva desafiante com que Maddison – cujos múltiplos contributos científicos se inserem na tradição de Colin Clark e Simon Kuznets e recorrem a potentes metodologias de autores como Geary e Khamis ou Kravis, Heston e Summers – confrontou ou relativizou conhecimentos/conceitos/processos antes tidos por adquiridos, sempre preferindo o gradualismo e o sincronismo a leituras cíclicas (as “ondas longas” de Kondratieff ou os “movimentos seculares secundários” de Kuznets) ou descontínuas (os “clusters” de inovação de Schumpeter ou os “take-offs” de Rostow).

Cotejo, então, de modo sucinto dados quantitativos organizados por Maddison e bem elucidativos das dinâmicas produtiva, populacional e de nível de vida à escala global e de longo prazo. Primeiro para ressaltar óbvias diferenças de monta quando comparados os dois milénios [(i) e (ii)], depois [(iii) a (vi)] para mais algumas constatações sugestivas:

(i) à pequena quebra do rendimento mundial per capita até 1000 – apenas acomodando um moderado crescimento populacional de 20% – contrapõe-se o seu forte crescimento subsequente (multiplicação por 13, para um factor 22,7 na população), sobretudo após a Revolução Industrial;

(ii) aos valores que aproximavam os países ricos e pobres há 1000 e 2000 anos contrapõe-se um significativo incremento das desigualdades de rendimento na actualidade (diferencial da ordem de 7 para 1);

(iii) a Ásia, que representava cerca de ¾ da população mundial no ano 1 da era cristã e pouco menos em termos de produto (com Índia e China a valerem em torno de um terço e um quarto dos totais mundiais) e ainda andava nos 68 a 71% em 1820 (com 37% de chineses e 28% de produção indiana), conta hoje com menos de 60% da população do planeta (17 e 20% para Índia e China) e apenas 37% do PIB global (5 e 12%);

(iv) a Europa Ocidental decai populacionalmente para 6,5% do total actual após um rácio largamente estável (de 11 a 13%) durante dezanove séculos, o que contrasta com um peso produtivo a subir de 14 para 23% até 1820 e a cair depois para 20,5%;

(v) EUA e Japão, com expressão apenas relevante nos dois últimos séculos, observam registos populacionais inversos (de 1 e 3%, respectivamente, em 1820, para 4,7% e 2,1%) e notórios saltos produtivos (de 2 e 3% para 22% e 7,3%);

(vi) América Latina e África conhecem evoluções menos favoráveis pois que, após um bom primeiro milénio (de 10% para 15 a 16% da população e do PIB), aquela regride até 1820 (2,1% dos totais) e depois recupera parcialmente (8,5% dos totais) enquanto esta definha até hoje (14% da população e pouco mais de 3% do PIB).

Não há, assim, nem vantagens perenes nem lugares cativos nem hierarquias asseguradas. Se bem que os recursos (naturais ou adquiridos) contem, o caminho faz-se caminhando, de preferência sabendo-se a direcção pretendida – buscar na compreensão do passado lições para o presente e rumos para o futuro pode ajudar…

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