sexta-feira, 25 de novembro de 2011

UM LIVRO


Público e privado ainda, aqui em versão ficção. Refiro-me ao último Houellebecq, que li por estes dias em tradução portuguesa recém-saída, no regresso surpreendente de um autor que – tendo chegado a parecer definitivamente enredado nas suas incomodidades, provocações e denúncias – nos trouxe, afinal, um romance magnífico e abrangente, i.e., uma narrativa cuja força perturbadora resulta preferencialmente do génio, da espessura e da lucidez!

Ilustremos com três dos protagonistas: o artista Jed Martin – tendo começado pela fotografia sistemática dos objectos manufacturados do mundo (“na minha vida de consumidor, terei conhecido três produtos perfeitos: os sapatos Paraboot Marche, o conjunto computador portátil-impressora Canon Libris e a parka Camel Legend”), passado pelo fascínio em relação aos mapas Michelin (“o mapa é mais interessante do território”) e evoluído para a pintura de seres humanos (“desejoso de dar uma visão exaustiva do sector produtivo da sociedade do seu tempo”) – ocupa os seus últimos anos de vida com uma obra que constitui “uma meditação nostálgica sobre o fim da idade industrial na Europa e, de um modo mais geral, acerca do carácter perecível e transitório de toda a indústria humana”. O Arquitecto Jean-Pierre Martin, seu pai, envelhece numa “sucessão de patamares” que o levam a transitar da casa de Raincy para um lar de terceira idade (“Sim, estava muito bem ali, não podia estar melhor, mas o que ele tinha que meter na cabeça era que já não podia estar bem em parte nenhuma, que já não podia estar bem na vida em geral”) e deste para uma eutanásia assistida numa clínica de Zurique. Houellebecq, ele mesmo também interveniente, surge como retratado como alguém que “desejava acima de tudo que o deixassem em paz” – o único e triste privilégio conquistado pela idade, diz – e que acaba assassinado na casa do Loiret para onde se retirara vindo da Irlanda. Do estado e da mudança das coisas ao sufoco e à miséria pessoal; sendo que, no final de tudo, “o triunfo da vegetação é total”.

Pelo meio fica um precioso mar de apontamentos – entre autocentrados ou mundanos, melancólicos ou humoristas, realistas ou criativos, desencantados ou sarcásticos – e temas – entre solidão e relações afectivas, vaidades e ilusões, mundo da arte e economia de mercado, “monstruosidades da modernidade” e “murmúrios do mundo”…

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