quinta-feira, 24 de novembro de 2011

DISSONÂNCIAS


Dia de greve geral ou de sobressalto cívico, expressão utilizada por alguns líderes políticos. O que não é exactamente a mesma coisa. Face às múltiplas perspectivas veiculadas, pode perguntar-se o que é efectivamente uma greve geral bem sucedida? Coloca-se no horizonte alguma aproximação no interior do movimento sindical? Há evidências de convergências sociais mais vastas, envolvendo outro tipo de movimentos e grupos de população não sindicalizados? O episódio da Assembleia da República com o movimento dos indignados parece sugerir o contrário. Estaremos perante a formação de um movimento social mais alargado de denúncia da falência do modelo “austeritarista” com expressão territorial alargada, envolvendo pelo menos o sistema de cidades? As evidências de rua parecem não ser convincentes. Fica, sim, a percepção de que a abordagem governamental ao sector dos transportes encontrará uma séria resistência reivindicativa com elevado poder de mobilização.
Contraditoriamente, ou não em função dos desenvolvimentos futuros, a mais recente sondagem política confirma a subida nas intenções de voto do partido liderante da actual maioria. O que não é coisa pouca para compreender os limites sociais da política de austeridade em curso. Os testemunhos em crescendo de instituições ligadas à protecção e acção social, ligadas ou não à Igreja, continuam a representar o principal indicador desses limites. A hibernação do Partido Socialista parece continuar, apesar dos fogachos comunicacionais em torno do Orçamento e da sua eventual folga para medidas mais suavizadoras da austeridade a todo o preço. Por mais estranho que pareça, exceptuando a denúncia de quem está no terreno da acção social, o principal factor de limitação da via austeritarista parece ser a sua própria inconsistência interna, ou seja a probabilidade elevada de ela contribuir para o não cumprimento das metas a que se propôs. País estranho este.
Entretanto, no plano europeu, multiplicam-se as matérias para uma reflexão atenta neste espaço. O agravamento da situação francesa relativamente aos mercados da dívida tem suscitado a entrada em cena da generalidade dos meios de comunicação franceses e de economistas identificados ou não com o governo actual. A pretensa solidariedade do directório franco-alemão parece não ter resistido ao mais leve sinal de alarme. Sintomático. Ontem, a não bem sucedida ida ao mercado por parte da Alemanha com preenchimento de apenas 2/3 do financiamento inicialmente pretendido suscitou alguma agitação. Parece prematuro considerar que a dívida alemã tenha entrado numa zona de risco.
Acossado pela diversidade de origens de fogo de que foi alvo, a Presidência da Comissão Europeia jogou finalmente algo de novo para o terreno da discussão. Um Livro Verde sobre a viabilidade de emissão de títulos de responsabilidade conjunta (Eurobonds) e dois regulamentos novos para discussão em torno do modelo de governação (matéria vasta para leitura mais meditada nos próximos dias). A jogada parece, por um lado, libertar-se das saias (calças, normalmente) de Merkel, mas as propostas em torno do modelo de governação parecem ser uma proposta de compromisso para obter a sua compreensão. O que não será fácil. A argumentação dos alemães parece ser a de disciplinar primeiro, assegurando as condições políticas necessárias para viabilizar esse “enforcement” e só depois analisar a viabilidade dos Eurobonds ou fórmulas similares. Não será certamente por acaso que a abertura aos Eurobonds aparece sob a forma de Livro Verde e as propostas de modelo de governação sob a modalidade de propostas de regulamentos. Não sei exactamente  qual é o período médio que as orientações emanadas de Livros Verdes cumprem até se transformarem em execução. Mas não é seguramente compatível com o ritmo dos tempos loucos destes mercados.

1 comentário:

  1. 1. Ou seja, a Comissão Europeia avança com o que sabe fazer: livros verdes e regulamentos...
    2. Não sei nada de "economia", mas não vejo maneira de poupar que não seja diminuindo a despesa. Devemos ter em conta que em Portugal, mesmo com muita despesa, não havia crescimento; qual a alternativa, portanto, à tão odiada (por alguns, mais consumistas e mundanos, como os autores deste blogue)política "austeritarista"? Aumentar os impostos para todos, com mais "justiça social"? Ou mesmo taxar mais os rendimentos financeiros? O que tem isso a ver com "despesa"?

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