Dia de greve geral ou de sobressalto cívico, expressão
utilizada por alguns líderes políticos. O que não é exactamente a mesma coisa. Face
às múltiplas perspectivas veiculadas, pode perguntar-se o que é efectivamente
uma greve geral bem sucedida? Coloca-se no horizonte alguma aproximação no interior
do movimento sindical? Há evidências de convergências sociais mais vastas,
envolvendo outro tipo de movimentos e grupos de população não sindicalizados? O
episódio da Assembleia da República com o movimento dos indignados parece
sugerir o contrário. Estaremos perante a formação de um movimento social mais
alargado de denúncia da falência do modelo “austeritarista” com expressão
territorial alargada, envolvendo pelo menos o sistema de cidades? As evidências
de rua parecem não ser convincentes. Fica, sim, a percepção de que a abordagem
governamental ao sector dos transportes encontrará uma séria resistência
reivindicativa com elevado poder de mobilização.
Contraditoriamente, ou não em função dos desenvolvimentos
futuros, a mais recente sondagem política confirma a subida nas intenções de
voto do partido liderante da actual maioria. O que não é coisa pouca para
compreender os limites sociais da política de austeridade em curso. Os
testemunhos em crescendo de instituições ligadas à protecção e acção social, ligadas
ou não à Igreja, continuam a representar o principal indicador desses limites. A
hibernação do Partido Socialista parece continuar, apesar dos fogachos
comunicacionais em torno do Orçamento e da sua eventual folga para medidas mais
suavizadoras da austeridade a todo o preço. Por mais estranho que pareça,
exceptuando a denúncia de quem está no terreno da acção social, o principal
factor de limitação da via austeritarista parece ser a sua própria inconsistência
interna, ou seja a probabilidade elevada de ela contribuir para o não cumprimento
das metas a que se propôs. País estranho este.
Entretanto, no plano europeu, multiplicam-se as matérias
para uma reflexão atenta neste espaço. O agravamento da situação francesa
relativamente aos mercados da dívida tem suscitado a entrada em cena da
generalidade dos meios de comunicação franceses e de economistas identificados
ou não com o governo actual. A pretensa solidariedade do directório franco-alemão
parece não ter resistido ao mais leve sinal de alarme. Sintomático. Ontem, a não bem
sucedida ida ao mercado por parte da Alemanha com preenchimento de apenas 2/3
do financiamento inicialmente pretendido suscitou alguma agitação. Parece
prematuro considerar que a dívida alemã tenha entrado numa zona de risco.
Acossado pela diversidade de origens de fogo de que foi
alvo, a Presidência da Comissão Europeia jogou finalmente algo de novo para o
terreno da discussão. Um Livro Verde sobre a viabilidade de emissão de títulos
de responsabilidade conjunta (Eurobonds) e dois regulamentos novos para discussão
em torno do modelo de governação (matéria vasta para leitura mais meditada nos próximos dias). A
jogada parece, por um lado, libertar-se das saias (calças, normalmente) de
Merkel, mas as propostas em torno do modelo de governação parecem ser uma
proposta de compromisso para obter a sua compreensão. O que não será fácil. A
argumentação dos alemães parece ser a de disciplinar primeiro, assegurando as
condições políticas necessárias para viabilizar esse “enforcement” e só depois
analisar a viabilidade dos Eurobonds ou fórmulas similares. Não será certamente
por acaso que a abertura aos Eurobonds aparece sob a forma de Livro Verde e as
propostas de modelo de governação sob a modalidade de propostas de regulamentos.
Não sei exactamente qual é o período médio
que as orientações emanadas de Livros Verdes cumprem até se transformarem em
execução. Mas não é seguramente compatível com o ritmo dos tempos loucos destes
mercados.
1. Ou seja, a Comissão Europeia avança com o que sabe fazer: livros verdes e regulamentos...
ResponderEliminar2. Não sei nada de "economia", mas não vejo maneira de poupar que não seja diminuindo a despesa. Devemos ter em conta que em Portugal, mesmo com muita despesa, não havia crescimento; qual a alternativa, portanto, à tão odiada (por alguns, mais consumistas e mundanos, como os autores deste blogue)política "austeritarista"? Aumentar os impostos para todos, com mais "justiça social"? Ou mesmo taxar mais os rendimentos financeiros? O que tem isso a ver com "despesa"?