O objectivo deste post não é iniciar uma rubrica do tipo notas
finais à Marcelo Rebelo de Sousa sobre êxitos de portugueses no mundo,
promovendo a tão depauperada auto-estima nacional. O tema interessa-me na
medida em que as migrações de jovens portugueses qualificados constituem um
tema aliciante para contextualizar a sociedade portuguesa de hoje,
independentemente da natureza, temporária ou definitiva, que essa migração
apresentar. A relação deste tema com algumas políticas públicas é relevante e
por isso está no coração temático deste blogue.
O contributo de hoje surge na sequência de duas notícias
isoladas, ambas afectivamente retribuidoras, na medida em que envolvem jovens com
os quais privei e que muito prezo, ambos nortenhos.
A primeira envolve um artigo recente do The Economist,
secção Ciência e Tecnologia, edição de 29 de Outubro de 2011, edição impressa. O
tema descrito respeita ao domínio científico dos métodos de leitura dos
mecanismos cerebrais e sua aplicação a diversos problemas cognitivos associados
às neurociências. Um dos três estudos (Frontiers in Human Neuroscience) referenciados
no artigo como exemplo de investigação de ponte nessa matéria respeita a uma
equipa da Universidade de Princeton, em que pontifica um jovem português,
Francisco Pereira, matemático pela Faculdade de Ciências da Universidade do
Porto e actualmente pós-doc no Botvinick Lab
do Center for the Study of Brain, Mind and Behaviour do Instituto de Neurociência de Princeton (home
page: www.princeton.edu/~fpereira/index.shtml).
O segundo exemplo diz respeito à obra recente “Thinking, fast
and slow” de Daniel Kahneman, um dos mais prestigiados psicólogos
da actualidade, Prémio Nobel em Economia na área das relações entre as ciências
do comportamento e a economia, também curiosamente da Universidade de Princeton.
Nesta obra, Kaheneman cita e elogia o trabalho de uma economista portuguesa,
Marta Coelho, Phd e actualmente Lecturer na London School of Economics,
sobre o tema dos efeitos do sobre-optimismo na função empresarial
(entrepreneurship) e as correspondentes implicações sobre as políticas públicas
de incentivo ao investimento empresarial.
Na sua componente de notícias afectivas poderíamos ficar
por aqui. São pessoalmente retribuidoras, ponto final. Mas o tema merece alguma
reflexão futura sobre as migrações de jovens portugueses qualificados. Não sei,
nem seria justificável dissertar sobre isso, se os dois investigadores
regressarão algum dia à investigação em Portugal ou a qualquer outra
actividade. O que para já me interessa sublinhar é que ambos trabalham em áreas
científicas complexas, de âmbito interdisciplinar e que naturalmente evoluem
mais favoravelmente em contextos científicos e universitários que prezam o
cruzamento de conhecimentos diversos e apresentam massas críticas robustas de
recursos humanos para o fazer. O valioso investimento que Portugal realizou nos
últimos anos no domínio dos recursos humanos avançados nem todo produzirá
retorno em Portugal. Uma parte materializar-se-á em conhecimento, bem público
ou quase público, que outros contextos científicos tenderão a aproveitar. Não é
razão suficiente para inverter essa aposta que tem alguma persistência no tempo
(coisa rara em matéria de políticas públicas em Portugal). Mesmo os que não
retornam podem ser recursos importantes para manter o relacionamento das
equipas científicas nacionais com a fronteira da produção do conhecimento na
Europa ou nos Estados Unidos. O ideal seria manter um movimento contínuo de ida
e retorno em matéria de recursos humanos avançados. Grande parte do progresso
observado em Portugal nos anos 90 e seguintes em matéria de equipas científicas
só foi possível com a internacionalização pioneira de alguns desses
investigadores que assumiram depois a liderança de projectos e instituições
nacionais. Voltaremos ao tema.
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