O frenesim da
crise grega dos últimos dias colocou no centro dos debates e dos comentários
políticos uma nova fraseologia fortemente identificada com o tema dos jogos de
risco: jogadas de poker, roleta russa, apostas calculadas e outros exemplos de
exercícios de risco em ambientes de incerteza extrema. A jogada referendária,
por mais inconsistente que venha a revelar-se com a dinâmica dos acontecimentos
que se lhe seguiram, acabou por revelar como estavam certos os que duvidaram da
operacionalidade dos resultados concretos da mais recente cimeira da zona euro.
A tese do efeito borboleta hoje acenada pelo líder do Partido Socialista,
segundo o qual e em adaptação da metáfora original toda a decisão no mais
pequeno país da zona euro tem repercussões nos restantes países, carece de
robustez. Há sim uma solução coerente adiada e é nesse contexto que deve ser
compreendido o aparente pânico com a decisão referendária da Grécia.
No entanto, por
mais “on line” que a informação sobre os meandros da crise grega se apresente, emerge
a impressão de que não conseguimos captar o sentido último das relações de
força internas que aí se confrontam. Mas tenho para mim que a evolução da crise
grega marca uma escalada significativa no que tendo a designar de danos colaterais
da abordagem à crise das dívidas soberanas que adquirem uma centralidade política
letal. De que se trata? Não está devidamente avaliado o impacto que a abordagem
punitiva à crise das dívidas soberanas tenderá a provocar na democracia política
e na erosão das soluções de governação que vão suceder-se nos países de situação
mais complexa. Não estou para já a projectar um futurismo imediato para a
situação portuguesa. Estou a concentrar-me na especificidade da situação
interna grega e sobretudo no enraizamento profundo que os dois principais
partidos da área da governação apresentam em matéria de cativação do Estado e
das suas benesses. A base de sustentação e reprodução dos dois aparelhos está
cativa dessa esfera de relacionamento. Ora, o ajustamento proposto à sociedade
grega, tal como em geral todos os ajustamentos impostos pela via punitiva,
tendem a reduzir brutal e bruscamente essa base de sustentação. Ou seja, a
economia impacta a estrutura política e consequentemente a governação possível
de uma estratégia deste tipo.
É certamente possível
fazer emergir seja novas forças políticas, seja novas bases de sustentação para
as que existem no espaço da governação. Mas essa mudança é necessariamente
lenta, penosa e complexa. A contradição é que a estratégia imposta exige soluções
de governação que ela própria vai minando do ponto de vista da sua consistência
e estabilidade. A não ser que a estratégia se subverta a si própria, criando “espantalhos”
ou “simulacros” de governação democrática. Que razão explicará que os alemães
possam concertar as suas posições em sede própria de parlamento e aos gregos
seja vedado o respaldo democrático interno das soluções que conseguiram
negociar? Uma coisa é a evolução discutível para uma forma de governo europeu e
de controlo orçamental das margens de manobra de cada país. Outra coisa é ao
abrigo da indefinição de hoje minar as condições de validação democrática nos países
mais vulneráveis, comprometendo irremediavelmente a sua governação futura.
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